Que saudade da professora Carla!

Cheguei a Belo Horizonte por volta de nove da manhã. Ônibus lotado. Rodoviária lotada. Na mochila eu levava uma camisa branca de algodão, uma garrafinha de água mineral e umas economias para gastar em livros, café, comida japonesa e chocolate amargo. Tinha o dia todo para caminhar, observar, pensar, recordar, ler, beber e comer. Era o meu dia (só meu), longe da família e de pessoas conhecidas que me observavam na rua e percebiam o quanto eu tinha engordado nos últimos meses; longe de alunos e ex-alunos cruzando comigo no supermercado, reparando minha bermuda velha e meus chinelos de dedo; longe das tensões do trabalho e das expectativas para o próximo semestre, para o próximo ano...

Lá pelo meu terceiro café expresso, caminhando pela Savassi, entre a Ouvidor e a Travessa, eu me recordei do tempo em que ali mesmo, naquele miolo, eu me sentava à mesa com meus colegas do curso de História, e a gente se lançava a acalorados debates sobre a Escola dos Annales, o Marxismo, a Nova História Cultural, etc. Tomávamos café, capuccino ou vinho tinto [daqueles mais baratos] e comíamos queijo e amendoim. Eram discussões apaixonadas! A gente se divertia muito, e ao mesmo tempo exercitava a imaginação refletindo, analisando, criticando, zoando...

E isso me levou a recordar as aulas da professora Carla: de como ela nos conduzia pelo mundo fascinante da crítica histórica; de como ela nos fazia confrontar autores e ideias, levando-nos a problematizar, a refletir e a analisar o passado e o presente, a produzir conhecimento... Ela não “dava” aula. Ela sabia perfeitamente que as informações sobre o passado estavam disponíveis em inúmeros livros de História para quem quisesse lê-los. Sua preocupação era com a “formação” de pensadores, de mentes capazes de captar a essência das várias interpretações, dos vários autores, e de confrontá-las, buscando construir algo novo (uma reflexão nova, uma análise nova). Com ela aprendemos a criticar as fontes, a duvidar das “verdades absolutas”, a desconstruir e construir argumentações.

Tenho saudade da professora Carla! E também de muitos outros professores da FAFICH que, como ela, souberam aguçar a nossa curiosidade, a nossa capacidade de criar e questionar...

Infelizmente, nos dias de hoje, muitos alunos que ingressam em um curso superior (sobretudo em instituições do interior) exigem que o professor seja simplesmente um reprodutor de informações. Se o mestre não dá um “show” de aula, falando sem parar (muitas vezes reproduzindo exatamente as informações que ele tirou de um ou dois livros), explicando de forma que a “platéia” entenda todo o conteúdo numa seqüência lógica, ele não é considerado um bom professor.

É certo que muitos desses alunos chegam à faculdade com sérias deficiências, resultado de uma Educação Básica de péssima qualidade; mas precisamos nos unir e resolver esse problema antes que as instituições de Ensino Superior se tornem (como muitas já vêm se tornando) apenas um negócio a mais no mundo capitalista, verdadeiras fábricas de diplomas e de profissionais ineptos.

Para terminar, deixo você com uma historinha que tem como cenário uma universidade hipotética, mas que pode ser a de qualquer um de nós, de nossos filhos, irmãos e amigos por esse Brasil afora:

Era uma vez três professores:

O primeiro chegava à sala atrasado, liberava a turma mais cedo, enrolava as aulas, mas dava nota boa para todo mundo no final.

O segundo chegava e liberava a turma na hora certa, mas era um perfeito enrolador: batia papo demais (para ficar amigo dos alunos) e, quando dava aula, era um blá blá blá interminável de informações (cobradas na prova exatamente da forma como eram explicadas); não fazia chamada e, como o primeiro, dava nota boa para todo mundo.

O terceiro colocava os alunos para pensar, não dava nada mastigado, cobrava reflexão e análise crítica, e corrigia as provas com muito rigor (provas difíceis, de raciocínio), o que geralmente tinha como resultado um número significativo de notas baixas.

Agora vem a pergunta: os alunos normalmente iam à Coordenação para reclamar de qual professor?