Para um pai, que tem cheiro de eterno

Eu conheci aquele senhor ainda em 1979 mas não sabia o tamanho da sua serenidade! Andar pausado, calmo, sempre interessado e interessante.

Homem de boas leituras e que valorizava a família sempre em letra maiúscula. Falava muito em “família reunida”.

O seu José era assim. De simplicidade estampada, na primeira visita à sua casa, com toda a simpatia, ele assim me acolheu e falou sobre a família: “aqui é assim: um por todos e todos por um”. E foi impressionante a sua precisão. Eu nunca conheci uma família igual! Se era marcado um encontro para uma festa, lá estavam todos, com aquela alegria e boas conversas das famílias italianas. E se era para um velório, lá estavam todos e os corações sinceramente machucados.

O seu José gostava de ler a Folha de São Paulo, para meu desespero. Desespero porque ele misturava as folhas, os cadernos ficavam totalmente desorganizados e depois eu não conseguia encontrar nada. Essa coisa de caderno de Economia misturado à Ilustrada não era comigo mesmo. Pior: quando eu perguntava: “seu José, o senhor já leu o jornal?” Despreocupadamente, me respondia: “já. Eu emprestei para o seu Osvaldo. Você ia ler?”... E eu me dava mal, porque o vizinho não iria devolver mesmo. Lá ia eu, desconsolada, até a banca do alto da Vila Sônia resolver o meu problema existencial.

O seu José me perguntava as horas para acertar o relógio de parede com freqüência e aproveitava para adiantar mais 15 minutos. Segundo ele “era bom aumentar só um bocadinho!” E gostava mesmo de uma mesa repleta de parentes. O macarrão de domingo, sempre acompanhado de um frango assado, tinha um sabor intrigante: era uma mistura de amor à família, abertura de uma outra semana, a necessidade de ver todos juntos. O seu José era escultor e trabalhou muito, mas muito mesmo para deixar São Paulo mais bonita. Ajudou a esculpir as peças maravilhosas da galeria Prestes Maia, e como aqueles nus artísticos foram mito mal recebidos pela população... Trabalhou também na elaboração do monumento às bandeiras, da estátua do duque de Caxias e em outras tantas peças. O Sr. José despejou talento, um esforço desmedido e amor à arte e ao trabalho pelas praças de São Paulo.

Mas eu gostava de vê-lo assobiando. Era quase um sussurro musicado, doce e singelo. Distraído, caminhava com os pés na típica posição “dez pras duas”, com seu bonezinho que tanto me fazia lembrar o igualmente doce Érico Veríssimo.

Gostava de me contar sobre os progressos do bairro. Eu e ele dávamos uma volta grande pelo quarteirão, onde tempos atrás era uma chácara e hoje esse espaço conta com vários edifícios de luxo.

E hoje, quando vou a São Paulo, todas as manhãs, saio sozinha, invariavelmente, para dar essa mesma volta, com os mesmos passos lentos dos tempos em que eu caminhava com o seu José, o meu sogro. Esse foi o seu José Moratta Franco, que ficou cheio de felicidade quando chegou ao mundo o meu Vinícius. Colocava o meu menino sentadinho sobre a mesa da sala de jantar enquanto lia a Folha, segurava o meu pequeno sentado num galho da frondosa mangueira do quintal e ficava muito feliz com as festas de aniversário do meu único filho. Festa regada a muito guaraná Antarctica e lindas bolas de brigadeiro.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 14/08/2011
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