Meu herói Rubro-Negro

Nasci em outubro de 1981, mas foi só em 13 de dezembro do mesmo ano que realmente comecei a viver. A maioria das pessoas não se lembra dos primeiros meses de vida, eu me lembro. Uma memória vívida, sem cor, sem cheiro, sem gosto – apenas um som. A voz do meu pai gritando: Mengo.

Por mais estranho que possa parecer, basta eu fechar os olhos, imaginando a euforia do momento, que consigo escutar o brado imponente. A força mágica daquelas sílabas, a autoridade da palavra. Um episódio simples, que muitos considerariam sem importância, porém, que forjou meu espirito rubro-negro e norteou infinitas alegrias.

Em uma terça-feira de 1990, meu pai me levou pela primeira vez ao Maracanã. Já fazia um bom tempo que ele não gostava de ir aos estádios. Logo ele, tijucano que não perdia uma pelada, fosse ela América e Bangu, fosse ela o clássico Flaflu. Mas, a violência crescente e o descaso do poder público há tempos haviam feito seu estrago. E, como ele nunca fora meu bandido, sua vocação sempre foi de herói, uma decisão definitiva havia permeado sua mente.

No dia em que debutei, a arquibancada tinha morrido para meu pai. Zico se despedia da magnética e, com ele, o lateral esquerdo franzino da Rua Jacumã. Ele não chorou, não fez anúncio e nem discurso, mas no fundo eu sabia que uma parte dele doía como nunca antes havia doído. No entanto, apesar da tristeza, o encanto daquele dia permanece até hoje, claro e límpido, como se estivesse gravado em minhas retinas.

A vida seguiu e a tarefa de me levar aos jogos, ritual pelo qual tinha me apaixonado, coube aos meus tios, aos meus amigos e ao meu irmão. Algumas vezes tentei trazê-lo novamente aos estádios, outros camisas 10, bem menos talentosos que o Galinho, também tentaram. Em vão, pois é óbvio que não existe volta para um funeral chorado.

Os anos passaram e sua convicção permaneceu inabalada. O noticiário policial ajudou a reforçar seu ideário, mas não diminui o vazio que sua decisão havia trazido. Apesar das balas perdidas, das brigas de torcida e da truculência da polícia, meu irmão e eu permanecemos fiéis ao maior espetáculo da terra, para apreensão e desespero de nosso pai.

Toda vez que voltamos ao estádio, seus olhos disfarçam, mas suas mãos o denunciam, a preocupação é latente, embora silenciosa. A tensão paira sobre sua cabeça, somam-se os noventa minutos de angustia do jogo em campo aos minutos incertos do jogo da vida. Ele aguenta firme, tal qual um jogador lesionado, em respeito à liberdade da nossa decisão. Joga de cabeça em pé, mas de olho no cronômetro do homem de preto.

Todavia, quando a juiz apita o final do jogo, meu celular sempre toca e ele está lá comigo novamente. Não digo nada, pois nada precisa ser dito. Sua voz ecoa tão forte quanto há 30 anos atrás – Mengoooooo. Lembro-me de tudo e o Maracanã é dele mais uma vez.