Bombom Ouro Branco

Foi nos anos 60 que a Lacta resolveu lançar o bombom Ouro Branco. Não sei ao certo o ano, mas eu era criança e conheci essa versão contrária do Sonho de Valsa na casa dos amigos dos meus pais. Foi numa noite qualquer, me parece que sem um motivo especial, ocorreu a visita. A dona da casa, amiga da minha mãe, resolveu oferecer um bombom para mim e para o meu irmão. Fiquei extasiada com aquela gostosura, uma novidade sem par. Parecia que se uniam todas as células do meu ainda pequenino corpo num baile romântico, amplo e florido num cenário cinematográfico. Coisa de realeza, de paixão, de tudo.

Pensei muito seriamente em pedir mais um bombom. Mas como? Seria muito deselegante e, com a maior certeza, eu teria muito o que ouvir depois e eu sabia o quanto isso iria me magoar. Mágoa para mim rima com lágrimas grossas e essas lágrimas salgadas jamais poderiam ser derrubadas sobre aquele bombom tão único. Mas eu não agüentava a vontade e cheguei a puxar a mão do meu pai na hora de ir embora. Se ele me desse atenção, eu iria criar coragem e pedir mais um. Mas ele não ouviu – ou não quis ouvir. Fomos embora e eu não consegui mais esquecer o que era o sabor celestial de um Ouro Branco.

Poucas vezes na vida comprei esse chocolate pela certeza de saber que aquele gosto único não se repetiria mais pelo tamanho da sua magia.

Hoje, eu tive o privilégio de reencontrar o Padre Miron no colégio onde dou aulas. Reencontrar, porque o bom padre foi transferido para São Leopoldo, nos abandonando forçosamente. O Padre Miron é a síntese da simpatia, da simplicidade, do bom senso. Sempre atento, o bom padre gostava de comprar algumas coisas gostosas no supermercado próximo para o nosso momento do café. Sempre aparecia com uma bala ou um chocolate no bolso e ofertava aos mais chegados. Passava nas salas de atendimento com pelo menos um pedaço de algum doce para os professores e não se esquecia de ninguém. Sempre teve coisas boas para contar, um amor verdadeiro e profundo para distribuir e a missa que ele rezava nos aproximava de Deus com imensa facilidade e a paz que promovia era profundo bálsamo para os mais aflitos. Foi dele que ouvi a máxima, por ocasião do sétimo dia de falecimento de uma aluna: “a gente fecha os olhos para ver melhor”. E dizia isso com tal convicção que ia conseguindo, pacientemente, limpar as feridas dos corações mais dilacerados com um lenço imaginário embebido no doce perfume da primavera.

E hoje eu conversava com ele, descontraída, passava-lhe a mão pela suave e brilhante careca, na tentativa de buscar alguma sabedoria. Tentativa vã: eu jamais vou ter a sabedoria do padre Miron.

Eu me despedi carinhosamente, mas ele me chamou de volta, dizendo: “para lembrar os velhos tempos”. Tirou do bolso e me entregou gentilmente um bombom Ouro Branco. Anúncio de afago na alma: coisas do eterno.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 19/08/2011
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