Ah, minha amiga...

Acrediteis. Há dois milhões de moradores em Curitiba, e eu conheço menos de cem – a maior parte, mal. Desses, admiro a muitos. Amo, dois ou três. Morei na cidade por cinco anos, e hoje vou para lá, no máximo, três vezes ao ano. Quando vou, não tenho oportunidade de ver a maior parte das pessoas que conheço – e sequer todas as que amo. Ah, a vida já nos separou a todos. Quando muito, tentamos marcar um encontro, um encontro que nunca acontece, porque nossas agendas estão sempre apertadas, e nós já temos tantos outros afetos para nos preocupar. Pois acrediteis que, mesmo assim, eu encontrei por mero acaso uma dessas pessoas na última vez que lá estive. E a amei.

Trabalhamos juntos em um hospital. Fazíamos um jornal bimestral – um jornal que já nascia velho. Era gratuito e nem crônicas tinha. Não passávamos de estagiários, mas estava nas nossas mãos todo o setor de jornalismo do maior hospital público do Paraná. Ela trabalhava pela manhã e eu à tarde. Para nos comunicar, escrevíamos bilhetes. “Precisamos de um título para aquela matéria”. “Qual foto você acha melhor?”. “E se diminuíssemos aquele texto?”. Consultávamos o outro diante da menor alteração que fazíamos e aceitávamos sem maiores dificuldades as sugestões recebidas.

E assim fizemos alguns jornais. Erramos, erramos muito. Deixamos passar vários erros de texto. Algumas fotos ficaram desfocadas, e houve muitos desalinhamentos após a impressão. Mas no último jornal que fizemos juntos, concebemos uma edição sem erros. A nossa superação foi uma glória bem particular, que nunca chegou ao leitor. E, mesmo que chegasse, não significaria grande coisa. Mas foi um jornal que nasceu com tanta humildade e esforço que, aos nossos olhos, ele representou a glória efêmera mais eterna que já existiu.

Mas logo em seguida ela trocou de trabalho. Deste então, nunca mais nos vimos. Trocamos e-mails, e até tentamos voltar a trabalhar juntos em outro lugar, mas sem sucesso. A única vez em que voltei a vê-la foi essa, sentada no ônibus, um ônibus que eu peguei por engano, num dos poucos dias que estive em Curitiba, em meio a dois milhões de pessoas. Estava distraída, e não tive coragem de falar com ela. E provavelmente porque não conseguiria falar a verdade. Ah, minha amiga, eu queria poder te felicitar por ser uma pessoa boa e que não se deixou consumir pelo próprio ego, e nem inventou forças que não tinha. E, embora isso pareça pouco, a mim é tão raro que foi suficiente para que você estivesse entre essas duas ou três pessoas que eu amo em Curitiba. E para isso, nem foi preciso falar com você. Ah, minha amiga, como estou feliz em vê-la.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 23/08/2011
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