Sobre comidas e animais.
 
             (Da Série: Aprendi com um Mestre/2)
 
    Aprendi muitas coisas nessa vida, mas não o suficiente para não precisar mais aprender. Aprendi que os animais chamados de irracionais também têm alma, só não aprendi ainda que tipo de alma cada animal tem. E se digo isso é porque não posso acreditar que uma barata nojenta tenha o mesmo tipo de alma que os meus pequenos schnauzers têm. Também as almas dos passarinhos não podem ser do mesmo tipo que as almas das serpentes peçonhentas. Mas a alma é tudo que anima e aprendi também que tudo tem um propósito, uma explicação, mas que nós os seres humanos não temos capacidade para compreender tudo e isso só vai acontecendo na medida em que evoluímos o que certamente não é de um dia para outro, nem mesmo de uma vida para outra.
     Não sou vegetariana, mas observo que estou caminhando para isso. Como carne sim, mas sós aquelas que foram apresentadas ao meu paladar bem antes que eu tivesse consciência : Porco (mas nunca consegui comer um leitãozinho assado), frango e vaca. Não como peixe e não consigo achar que bacalhau seco e sardinha em lata sejam peixes, porque esses eu como.
     Certa vez, estando em Lisboa, em um hotel elegante, serviram-nos peixe e quando eu disse que não comia, o maitre gentilmente se ofereceu para trazer-me outro prato. E trouxe: carne de vitela. A emenda ficou pior do que o soneto – para quem não sabe a vitela é uma carne bovina especial conseguida por meios não naturais – o pobre bezerrinho, geralmente inapto para crescer e se transformar em um boizão é separado da mãe no segundo dia de vida e colocado em uma baia onde ele não consegue se mexer, não recebe a luz do sol, é lhe é negado o leite, come uma porcaria de uma ração líquida, é privado de água e para que não beba a própria urina e coma as fezes essa baia é assoalhada de forma que urina e fezes escorram para uma espécie de portãozinho. Tudo isso para que ele não obtenha ferro em sua alimentação e aí está o valor de sua carne: ela é branca. E o coitado, anêmico, morre entre a quarta e a sexta semana de vida. E quando enganada, comi carne de coelho como se fosse de frango, no momento em que tomei conhecimento tudo saiu de dentro de mim bem mais rápido do que entrou.
     Quando eu era bem jovem eu me rebelava contra as coisas que não entendia e achava tudo sem o menor propósito, inclusive o fato de algumas espécies aparentemente só existirem para servir a outras. Achava que todos os seres animados deveriam viver juntos na mais santa paz e não se devorando. Depois eu aprendi que tudo tem um propósito e que até o que nos parece estranho na verdade é natural. Mas eu sei que nunca comerei ninho de passarinho, nem carne de cachorro, nem as bundas das formigas tanajuras como minha mãe fazia quando era criança.
       Mas embora tenha restrições alimentares e hábitos contraditórios, aprendi também que a fome justifica tudo, ou quase tudo e dou graças por nunca ter sido testada: não sei o que faria se o avião em que estivesse viajando caísse em um lugar deserto, em uma montanha coberta de neve, em que a única possibilidade de sobrevivência fosse comermos uns aos outros, como já aconteceu.