Nenhuma Pretensão

A liberdade da página em branco.

Essa é a maior liberdade. Não acredito nessa patacoada de “bloqueio do escritor” ou “crise criativa”. Isso me parece coisa de gente que morre e continua caminhando, respirando, deglutindo, fazendo intriga & tagarelando sem parar. Canso rapidamente de gente metida a artista se deprimindo porque não consegue nem concatenar uma ideia com um mínimo de coerência. Não suporto aqueles desocupados que se postam nas portas de botequim e posam de grandes gênios incompreendidos da humanidade. Não me desce goela abaixo quem malbarata seu talento em troca de lucro fácil. De Paulo Coelho, boas intenções e péssima poesia o inferno está cheio. E o EGO dessa gente? Nem vou comentar para conter a náusea que isso tudo me causa.

O grande problema que tenho com a maioria dos escritores é exatamente o mesmo que eu tenho com a maioria dos seres humanos: apenas o fato de que um dia eles foram concebidos, paridos e que tenham sobrevivido por tantos anos. Escrever simples é muito diferente de escrever mal. E escrever mal também não constitui em um defeito tão grave. Você pode perfeitamente escrever mal e deixar o seu recado. Não se deve nunca escrever mal por um motivo deliberado. Simples assim. Aceito críticas muito bem. Elas me fortalecem e me incentivam a continuar tentado. Porém conheço gente que um prosaico “não” as põe doentes, depressivas e suicidas no mesmo segundo. E posso muito bem explicar esse fenômeno. Apenas excesso de mimo. Nenhuma verdade insofismável por aqui. Os piores escritores aspirantes ou profissionais são aqueles que não se questionam e tampouco fazem auto critica ou mea culpa. Acham-se acima do bem e do mal e quem não compreende a merda que produzem servem apenas para confirmar sua teoria que são “avançados demais para os dias de hoje”. Ora, é para rir? Não, para sentar no meio fio, colocar as mãos na cabeça e chorar. Ou não. Quero deixar claro aqui que não estou emitindo nenhum julgamento. Apenas observação acurada com o passar dos anos. Estou a vinte e cinco anos escrevendo esse volume que até o presente momento intitulei de “Contos Murinos”. Tudo começou com um projeto louco e adolescente de ser escritor. Iniciou-se com pequenas anotações em cadernos escolares, logo depois escrevia em guardanapos de bares e transportava para um imenso espiral. Apenas colhia ideias e tentava transformar isso em palavras e poemas. Não dava certo. Eu não tinha pegado a veia da coisa toda. Lia como um possesso e tentava emular os trejeitos de meus autores preferidos. Continuava empacado. Quase viro um desses caras pretensiosos e amargos. Não foi o caso. Minha sorte foi ter compreendido que o conto era o grande veículo. Na primeira tentativa deu certo. Uma história curta para a menina que eu estava flertando na época. Eu tinha 24 anos.

Meninas vêm e se vão. Então eu precisava de assunto. Entrava e saia de bares, de dependências de empregadas de apartamentos de amigos provisórios, casas de cômodos, de bordeis de todas as categorias, de camas de mulheres de todas as idades, de pensões sórdidas apinhadas de pulgas e baratas, de empregos brutais e suas burocracias inúteis. Claro que isso rendeu muito combustível. Só se você vive no mundo da fantasia é que não consegue extrair a substância do mundo real. Não tenho problema em retratar um bom filho da puta quando escrevo. Muito menos de deixar de dizer que essa ou aquela mulher tem uma “bunda de parar o Largo da Ordem em noite de sexta”. Tudo real. Certa feita, uns dos meus bartenders preferidos me disse que o papel aceita tudo. Óbvio que eu contestei! Você tem que ter escrúpulos antes de sentar-se diante de uma máquina de escrever ou de uma tela de computador ou pegar a caneta ou falar ao gravador, seja lá qual for seu método. Outra ocasião, um desses malandros que querem se passar por intelectual veio me contestar dizendo que meus textos incitavam apenas os “baixos instintos”. A resposta no ato foi apenas uma gargalhada de deboche. Agora vou responder por escrito. Primeiro que “baixos instintos” estão démodé. E em segundo lugar, quero que um tipo desses vá à merda. Não tenho que me explicar e tampouco dar satisfação ou explicações teóricas cada vez que ligo o meu p.c. Liberdade de expressão. Artística ou não. Pode ser política também. Deus sabe que os escritores realmente relevantes são poucos e há algum tempo li que qualquer forma de expressão criativa prima pela excelência. Não existem milhares de filmes fantásticos, não existem centenas de pinturas revolucionárias, não existem bilhões de músicas que formam a trilha sonora de nossas vidas, não existem mais de três bandas que moram em seu coração. A sinceridade quando começo a martelar as teclas tem que ser total. Assim como o compromisso. Em primeiro lugar escrevo para mim. O público vem muito depois. O meio termo castra a criação. O meio termo apenas serve para o gosto estragado e estagnado do populacho que engole qualquer coisa que já venha enlatada ou mastigada. O populacho de qualquer classe social apenas serve para consumir e votar errado. Outra coisa que me trinca a paciência são os ditos “rebeldes”. Rebeldes onde, cara-pálida? A única rebeldia válida é aquela que pregava Gautama Buda, e que nada mais é que o manjado “contestar tudo”. Quando, Como, Onde, Porque o homem mordeu o cachorro. Podem me dizer que isso é apenas objetividade e agora me lembrando do nosso melhor esteta patrício não acho nada mal os “Dez Mandamentos” serem reduzidos para cinco. Os “idiotas da objetividade” – neste exato instante – estão em seus últimos estertores e nem se deram conta disso pela esclerose múltipla que se instalou em suas mentes embotadas e arrogantes. Rebelde era Jean Rimbaud que largou tudo para se embrenhar na África e voltar para a França apenas para ter uma perna amputada e morrer jovem. Rebelde é Charles Bukowski que se recusou a entregar a rapadura. Rebelde Nelson Rodrigues que incentivava os militares até que seu filho caiu na clandestinidade, na tortura, na cadeia pelas mãos dos mesmos militares que ele sempre apoiou desde o primeiro instante. Rebelde é Willian Burroughs que viveu até os oitenta e poucos anos para contar a história. Rebelde era Marcos Prado que morreu sangrando vodca por todos os orifícios. Rebeldes serão aqueles que nasceram depois de 2006.

E eu quero estar bem vivo para presenciar.

Curitiba, 25 de agosto de 2011, 19 graus celsius – inverno.

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 25/08/2011
Código do texto: T3181604
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