O CASO DA INTERPRETAÇÃO

OBSTÁCULOS DA LÍNGUA

Na sua primeira ida ao parque foi com o sono atrapalhado num domingo de manhã, mas conformado, afinal, queria sempre aprender coisas que o ajudassem a melhorar de vida. Ouviu um anúncio meio atravessado do concerto de uma orquestra e lá se foi com caderninho e tudo para tomar nota de cada detalhe. O certo seria dar ouvidos a cada nota. Quando se apresentaram os músicos abrindo com Bolero, de Ravel, já começou o xingatório em alto som:

- Mas cadê a aula pra gente aprender?

O conserto que ele queria não seria ali e mesmo assim instrumentos musicais quando dão defeitos há que se ter alguém muito sensível e afinado com música para fazer a manutenção. De qualquer forma terminou de ouvir o concerto até o final pois acabou gostando da música. Já era algo mais no seu currículo de aprendiz: música clássica faz bem aos sentidos. Ia apurando-os, prometera a si mesmo.

Da segunda vez que o inusitado confirmou a sua sina foi quando precisou entregar uma encomenda lá na cidade de Igaratinga onde nasceu. Chegando à casa da destinatária, a placa bem grande no portão advertia: “tome cuidado com os cães” e ele já foi logo abrindo e ao se deparar com dois bem grandes, do tipo pastor alemão, tentou cuidar com carinho fazendo um afago na cabeça de um deles. Foram mais de 180 pontos ao todo pelos braços, rosto e pernas, segundo o pessoal do posto de saúde onde foi atendido E depois alguém explicou que o cuidado com os cães significava não descuidar. Foi nesta época que Manoel Umbelino ganhou o apelido de Mané dos Cachorros.

Um boletim de ocorrência curioso foi a última notícia que tive do Mané: preso por derrubar todas as árvores de uma rua, só não concluiu o arboricídio* porque alguém chamou a polícia diante do comportamento estranho daquele homem com sua moto-serra. A companhia de eletricidade da cidade estava fazendo uma campanha educativa para prevenir acidentes na rede elétrica e colocou anúncios por toda a cidade, especialmente nas áreas mais arborizadas. Uma frase dúbia, convenhamos:

NUNCA PODE ÁRVORES PERTO DA REDE ELÉTRICA.

O verbo transitivo direto “podar” no modo imperativo foi interpretado erroneamente como sendo o verbo transitivo direto “poder”. Deu cana.

* arboricídio: extermínio indiscriminado de árvores (um neologismo que criei)

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 27/08/2011
Código do texto: T3184700
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