Aprendizado de criança

Quando eu tinha uns nove, dez anos de idade, precisava cuidar da casa e de todas as minhas irmãs. Como responsável, precisava ficar inteirado de todas as coisas que aconteciam com elas.

Um dia, a minha irmã menor chegou mais cedo da escola. Fiquei preocupado porque ela tinha apenas sete anos e não deveria ter vindo sozinha. Assim que a vi chegando, perguntei bem sério:

--- O que aconteceu para você chegar tão cedo, menina?

Ela coçou a cabecinha e me disse:

--- A diretora levantou as aulas.

Confesso que demorei um pouco para entender. Na verdade, só muitos anos depois é que fui compreender mais claramente como a gente vai assimilando a língua que a gente fala. Para minha irmãzinha, “suspender” e “levantar” eram palavras sinônimas e dava no mesmo usar uma ou outra na hora de falar. Dei risada, claro, e o fato ficou por isso mesmo.

Muitos anos depois, minha “irmãzinha”, já casada e com a filhinha dela, a Bárbara, precisou morar comigo (e eu quase sempre morei sozinho). Pude, então, voltar a conviver com criança dentro de casa. Era a ela que contava histórias e era dela que também ouvia histórias. Dava pra reparar que a Bárbara contava para mim as mesmas histórias que eu inventava para ela, modificando apenas algumas coisinhas aqui e ali.

Um dia, ela chegou da escolinha. Sentou-se no sofá e estendeu os tênis vermelhos que gostava de usar:

--- Titio, desdá o nó pra mim?

Estava eu novamente com uma situação em que uma criança mostrava para mim como uma pessoa incorpora a sua língua. Que delícia de expressão!

Confesso que não sabia da existência do verbo “desdar”. Aprendi com ela, que nem deve ter ouvido de outra pessoa, mas que chegou por si mesma à construção. Na minha cabeça, logo vieram algumas palavras que eu gostaria que efetivamente existissem: destelefonar, deschegar, desxingar, desodiar...

Às vezes, certas ingenuidades deliciosas acompanham o crescimento da linguagem das crianças.

O caso é rápido: uma ocasião, não lembro bem onde, eu e a Bárbara passávamos caminhando. Uns moleques jogavam bola na rua.

Ri muito naquele dia. Explico por quê.

Um dos garotos chutou e a bola foi bater na antena de uma casa. Dessas antenas grandes e redondas. Foi quando a Bárbara disse, também séria:

--- Ainda bem que o homem tem antena parabola, não é titio?

Não quis dar-lhe nenhuma lição naquele momento. Ri comigo e para mim. Satisfeito da dedução que ela fez.

--- É mesmo, Bárbara, é mesmo...

E fomos para casa.