“MORDOMIA NO CEMITÉRIO”

Laura passou o lenço levemente sobre os olhos, tomando o cuidado de não prejudicar a sofisticada maquiagem que lhe consumiu 45 minutos pela manhã.

De relance, observou sua sobrinha Delma ajeitando algumas flores no caixão de Tenório.

Os murmúrios dentro da capela, giravam em torno da falta de sensibilidade do destino. Há mais de meia hora que todos comentavam:

-Que coisa triste, hein ? Dr. Tenório, rico, apenas 46 anos, deixa dona Laura bonita e sozinha no mundo (não tinham filhos). Será que ela vai se casar de novo ?

-Possui boas chances. Com 35 anos e herdeira de uma boa fortuna, em breve vai arranjar um bom e simpático sujeito e vai esquecer esta fatalidade!

Laura acenava e apertava diversas mãos (como seu marido tinha puxa-saco) com delicadeza, para não estragar o esmalte.

Estava ansiosa por ver o caixão escorregar para a cova e dar logo inicio à sua nova vida ao lado do dr. Argus, o médico de "confiança" da família ! Ela iria na próxima semana para a Itália. E dentro de vinte ou trinta dias (quanta pressa), se encontraria com Argus na Holanda.

Lentamente ela deu quatro passos para a esquerda e quando teve certeza absoluta de que ninguém estava observando, sussurrou perto do amante:

-Tem certeza que a dose que colocou no vinho dele fez efeito ? Às vezes tenho a leve impressão de que ele está respirando fracamente.

-Calma, querida ! Dentro de 15 minutos o caixão descerá e nossas angústias terminarão para sempre. Se estiver vivo, vai acordar lá embaixo ! Não pude exagerar na dose para que o médico que assinou o óbito não percebesse nada ! Vá conversar um pouco com algumas daquelas velhotas para disfarçar. Relaxe...

Às 12:30 Laura sentou-se no sofá e pediu um conhaque a Delma, com duas pequenas pedras de gelo. Tirou os sapatos e tomou dois goles lentamente.

A sobrinha, gentilmente, serviu o conhaque como a tia pedira e voltou a sentar-se na poltrona próxima da janela.

Laura bebeu e fechou os olhos como se sentindo reconfortada. E ainda de olhos fechados chamou:

-Delma querida !

-Sim, tia? – respondeu Delma.

-Onde está o celular ? Vou ligar logo para a agência de turismo e tentar marcar uma viagem para a Europa, para ver se consigo esquecer esta tristeza.

-Ah tia ! Não zanga comigo. Aquele celular que meu amado tio Tenório adorava, ele um dia me pediu que se morresse, gostaria que eu o colocasse dentro do ...

O telefone tocou !

Laura atendeu.

Do outro lado, uma voz fina lhe perguntou:

-Estou falando com Mme. Laura Cardoso?

-Exatamente, respondeu ela!

-Meu nome é Afonso. Sou delegado da 5a. D.P. Recebi um telefonema estranho há pouco. Creio que é um trote de mal gosto, de um sujeito dizendo chamar-se Tenório Cardoso, que estava dentro de um caixão, pedindo que eu o tentasse libertar rápido, pois o ar talvez não fosse suficiente para mais de 2 horas. Por gentileza, a senhora me permite falar por dois minutos com seu marido?

(conto vencedor do Prata da Casa 97 - Petrobrás)

Haroldo P. Barboza é um carioca de 55 anos, morador do Andaraí, casado, funcionário aposentado da Petrobrás. Torcedor do Fluminense escreve contos, poemas, artigos políticos e sobre qualidade de vida. Não fuma nem bebe. "- Encaro uma roda de piadas por mais de 4 horas (se não fosse matemático, seria humorista – diz ele) -"

Adaptação de José Ademir Tasso.

Dia 22 de agosto: Dia do Escritor Louveirense.

Ademir Tasso
Enviado por Ademir Tasso em 08/09/2011
Código do texto: T3208612
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