“MEUS MEDOS DE HOJE“

Quando fecho meus olhos e volto no tempo, ainda vejo a velha casa branca, de reboco caindo, de altas janelas e portas azuis.

Dentro, o teto, muito alto, muito escuro até, com teias de aranha e de poeira junto às telhas, pois não existia forro.

O piso de tijolos gastos, as paredes de pintura desbotada e enegrecida pela fumaça das velas e dos lampiões.

Eu tinha medo de dormir naquela casa.

Era a casa da minha tia Paulina, irmã mais velha da minha mãe, em Valinhos, numa fazenda da qual o nome agora não me vem à memória.

E sempre que visitávamos esses parentes, meus pais e eu, com meus oito anos, passávamos lá o final de semana, pois eram tantos os assuntos que os adultos tinham pra contar.

O quintal da velha casa era repleto de flores abandonadas em meio ao mato abundante que tentava sufocar o colorido ali existente. Alguns pés de manacá, velhos girassóis, pés de milho e uma imensidão de bananeiras que se vislumbrava até o estreito rio de águas lamacentas.

Minha tia era uma senhora de feições austeras, porém com um coração recheado de extrema bondade. Talvez a vida, por ter sido sempre tão dura para com ela, tivesse deixado aquelas marcas em sua face... marcas que somente hoje compreendo de onde vieram.

Era uma das irmãs preferidas de minha mãe e sempre que podia, meus pais a visitavam e para mim, era como uma aventura cinematográfica, com direito a casarão assombrado e tudo.

Na verdade, talvez aquela velha casa nem fosse assombrada. Talvez tudo não passasse de minha imaginação fértil, já preparada para contar histórias.

À noite os lampiões e as velas eram acesas.

Jantávamos numa sala grande, de móveis escuros e pesados, com imensas janelas sem vidraças. Pesadas trancas de madeira guardavam portas e janelas.

Depois do jantar, na sala, os adultos contavam suas aventuras e desventuras e nós, eu e meus primos e primas, escutávamos tudo boquiabertos.

Minhas primas e primos não tinham medo de morar naquele lugar afastado, me parecendo além do mundo, além da civilização.

Hora de dormir e eu, mais que depressa corria para junto de minha mãe e sempre encontrava um jeito de dormir no mesmo quarto onde meus pais dormiam. Sempre com o coração em disparada, o medo vigiando as horas que se arrastavam e lá fora o barulho dos animais noturnos e as fortes rajadas de vento.

Quando enfim, o sono vencia o medo, réstias de sol invadiam o quarto anunciando a chegada de mais um dia.

O cheiro do café forte, coado na velha cozinha, o perfume das broas de fubá sendo retiradas do forno de barro, o leite da velha Malhada que mugia no curral e a manteiga macia faziam do nosso café da manhã uma festa.

Recordações...

Não sei por que esses retalhos de saudade sufocaram meu peito hoje...

Saudade da infância...

De um tempo que não se temia aos homens...

De um tempo quando ainda se confiava no ser humano como irmão... Ah saudade! De medos infundados, diferente dos nossos medos de hoje, que convivem conosco lado a lado!

Dia 22 de agosto: Dia do Escritor Louveirense.

Ademir Tasso
Enviado por Ademir Tasso em 10/09/2011
Código do texto: T3211112
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