A Foto

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A D. Mazé era daquelas criaturas que tinha medo de tudo. Quando via uma barata era um Deus nos acuda. Subia nas cadeiras, nas mesas, gritava e chorava ao mesmo tempo. Rato e rã, então? Ainda era pior o chilique. E de defunto? Quando morria alguém conhecido passava uma semana sem dormir. Ficar só no quarto, Deus me livre. Velório não ia de jeito nenhum. Fazia a visita somente na missa de sétimo dia.

Certa vez, morreu um parente seu, bem próximo. Foi uma situação horrível. Além da ligação familiar eles tinham uma amizade muito forte. Teria que se fazer presente no velório.

A medrosa senhora, sofrendo por antecipação ficava imaginando aterrorizado o quadro que lhe esperava. O calor das velas, o cheiro das flores, as vozes das pessoas rezando o terço, uns chorando segurando a mão do falecido, outros arrumando os cabelos, outros alisando o rosto. Que coragem!

Tentava desviar o tal pensamento da cabeça enquanto se arruma. E pedia aos seus “Santos” coragem. Precisava dominar o medo. Tirou seu vestido preto de velório do guarda – roupa. Passou no ferro para tirar o cheiro do mofo, colocou uns óculos escuros para disfarçar os olhos de espanto e foi-se. No caminho planejava: - Vou me posicionar bem distante. Assino o livro de visitas para testemunhar minha presença e só falo com quem passar perto de mim. Lá, próximo ao caixão não vou mesmo.

O plano de D.Mazé deu certo. Outras pessoas foram morrendo: amigos, parentes, vizinhos e ela seguia o mesmo esquema. Sempre tinha uma comadre que lhe convidava para ver o defunto, mas ela arranjava um desculpa qualquer. E ficava admirada quando via alguém levantar o véu que cobria o rosto do morto, arrumar o algodão do nariz. Nossa! Jamais faria isso.

Um dia morreu um irmão de sua afilhada que morava afastado da cidade. A mãe chegou a procura de D.Mazé em prantos. Gente pobre chora mais por morto do que os ricos não sei o porquê. Mal podia narrar os acontecimentos, soluçava, estava nervosa demais. Depois de tomar alguns goles d´água foi se acalmando e contou que o menino morreu de lombriga. Tava doente há muitos dias, não comia, amarelo, sem ânimo. Quando foi levar ao médico estava muito fraco e não resistiu. A história não estava muito bem contada, não se sabe se era por ignorância ou nervosismo. O certo é que D.Mazé deu pra ela certa importância que dava para comprar a mortalha, o caixão e as comilanças para as pessoas que fossem para o velório.

E a pobre senhora foi-se. A dor daquela mãe era tamanha. Via-se pelo seu semblante um coração partido. D.Mazé sabia que pouco tinha feita pela sua comadre. Mas além da parte material, também contribuiu com palavras de consolo e foi solidária com o sofrimento daquela querida amiga. Faria qualquer coisa para amenizar aquele sofrimento, mas o quê?

Ao entrar numa loja de tecido D.Mazé encontra-se novamente com a comadre. Estava comprando a mortalha com o dinheiro que ela havia dado. Mais uma vez entre lágrimas as duas se abraçam e mão do defunto diz:

- Comadre, a senhora está sendo muito boa comigo, mas posso lhe pedir mais um favor?

- Claro, faço qualquer coisa que a senhora pedir.

- Comadre, eu quero ter última lembrança de meu filhinho, por favor, tire uma foto dele no caixão.

Maria Dilma Ponte de Brito
Enviado por Maria Dilma Ponte de Brito em 17/12/2006
Reeditado em 09/06/2020
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