Os canavieiros

Os canavieiros

Eu era uma menina, mas ainda me lembro bem. Na época da safra, a cidade fervilhava com as pessoas que vinha de longe para cortar a cana. A produção do açúcar era a principal e praticamente a única atividade que gerava empregos e mão de obra na cidade. Eram longas as filas das pessoas que vinham para serem “fichadas” na Usina. Naqueles tempos sombrios, quando só uma minoria privilegiada conseguia concluir seus estudos, os que ficavam de fora do cenário, tinham como destino uma única escolha: o corte da cana. Havia uma hierarquia na distribuição de empregos, e isso variava entre habilidade e competência, de uma forma rústica, mas que obedecia alguns critérios, como uma certa experiência, um apadrinhamento, troca de favores, uma mão lava a outra e assim por diante... mas no final, era um burburinho nas ruas em todos os dias em que a safra perdurava. Nas madrugadas, era sem fim o movimento dos caminhões com a leva de canavieiros, fosse tempo de frio, de chuva ou de calor, carregadinhos de gente acomodados como gado, agarrados em estacas de ferro a que chamavam de fueiros, para não se estatelarem no chão, uma vez que eram essas estacas a única proteção lateral que as carrocerias possuíam, que eram para transportar gente e cana. Iam assim, vestidos a caráter, com duas ou três calças para proteger as pernas, uma camisa sobre a outra para cobrir os braços das folhas afiadas das canas, do sol e das cobras, que rastejavam sorrateiras pela plantação. As mulheres não perdiam sua vaidade, e colocavam vestidos ou saias sobre as calças masculinas que usavam, amarravam um lenço na cabeça para proteger os cabelos e por cima, o eterno chapéu de palha. Saíam com o despedir da noite com a foice e o facão na mão, a marmita com o arroz e o feijão, e voltavam ao final do dia, na mesma maratona dos caminhões em procissão, carregadinhos de gente suada, pintados de negro pela fuligem da cana queimada, que ajuntavam de braçada em braçada, até cortar uma, duas, três ou mais quadras, a medida de corte que era usada para definir o pagamento do dia. Era sofrida a vida dos canavieiros naqueles tempos. Hoje as máquinas fazem a maior parte dessa tarefa árdua de cortar a cana e transportá-la até a Usina para ser moída. São poucos os canavieiros que ainda fazem parte desse cenário rude, mas o que existem tem transporte digno, tem equipamentos de segurança, recebem salário em moeda corrente e tem plano de saúde. Hoje há menos canavieiros, mas há mais dignidade. Dos tempos em que essa profissão doía tanto, só restou a mulher canavieira, um marco histórico construído com cimento bem no meio da Praça do Trabalhador.

maria do rosario bessas
Enviado por maria do rosario bessas em 12/09/2011
Código do texto: T3215267