Crônica de intervalo

Estou aqui almoçando, enquanto olho para a janela aberta. Vejo um campo cheio de flores e ervas daninhas penduradas nas copas mais altas das mangueiras.

Visualizo o prédio onde trabalho, construído por volta de 1890, todo ele tem uma cor ocre desbotada, o céu azul me parece encostar-se ao teto e tenho visões cada vez que a nuvem se encaixa em um lugar diferente, se olho um fio na diagonal o barco passa e escuto o som da corneta quando os barcos param em algum cais imaginário, a solidão de um casarão ainda não demolido colorindo as ideias.

Eu diria que os camaleões irão aparecer nessas janelas empoeiradas para olhar o silêncio com suas garras e testar a grama dos solos pobres de florestas, assim assistindo ele de alguma sintonia que eu pensaria. O que ele pensaria? Os sábios animais fogem do som repetitivo da pressa, eles podem ir somente à caça com sua fome do dia.

Daqui essa janela me satisfaz apenas o olhar porque tenho tudo, a praia, o céu e a imaginação, a insistência que a paz traduz em me deixar absorver.

Como posso sair daqui aguardando o horário e resolver coisas urgentes nessa urgência sem nome do sei lá o que, sem descoberta nenhuma, sem desejo algum pela vida?

O que me desperta essa luz acesa de cores que me engolem de tranquilidade, eu pensaria que podemos imaginar nosso dia cheio assim dessas luzes que chegam até nosso corpo para nos iluminar de coisas vibrantes, nos fazer parar de fazer coisas inúteis, parar de lutar contra o que pensamos ser maior.

Essa praia interior é minha e viajo dentro dela como uma folha de papel em branco, alinhavada por detalhes ainda esboçados de algo que ainda não sei precisar, assim não delimito ações, assim o prazer aumenta e tudo flui com as mesmas garras do camaleão a sintonia dos sábios animais.

A árvore ali sentada ao redor do prédio-casarão-palacete-templo, parece gritar quando agita suas folhas de mangueiras, que ao sentar-se alimenta-se da terra que sustenta os homens.

Se Deus existe está ali, ele também é isso, essa solidez de calmaria e transparência, ele também sustenta esse planeta de águas azuis, quase azuis porque são pintadas por imaginações como a minha neste instante que parei para almoçar e olhar da janela vazia o ouro da paisagem que pode fugir aos olhos de quem não a contempla, o olhar de quem apenas sente o lado prático do acordar e sentir o toque do despertador lembrando a hora do trabalho, fazendo-o esquecer que existem mais coisas boas que podem acrescentar sabor a esse desperdício.

Se existe paraíso, por que não pensar que aqui também podemos realizar uma franquia de pensamento?

Josette Lassance/13/05/2010