Entre samaúmas e cerejeiras

Estamos em outubro, em pleno calor e no ar, uma atmosfera distante se forma parecendo primavera onde as samaumeiras (que aparentemente em flor), com suas sementes aladas viajavam por além da rodovia a formar um espetáculo de flores.

Não podemos captar com os mesmos olhos, os rituais de apreciação, como os japoneses em seu hanami, nada que nos faça cortar em nossas rotinas, onde jamais paramos, exceto forjados por um engarrafamento impune, o que nos divide em algumas imagens sobrepostas de um visual japonês e uma rua fragmentada.

Até mesmo porque as cerejeiras só florescem uma vez ao ano e dura cerca de uma semana. Suas folhas se vão com a chegada do outono. Enquanto isso, as samaumeiras cumprem o seu ciclo. E fornecem algum agrado para os pássaros gritarem.

Vi o semblante no centro da pista: o gramado bem aparado, as sementes aladas, cobrindo-lhes o chão, como um tapete esbranquiçado. Gostaria que brotasse dali uma “pequena-grande” floresta de samaúmas, e se fizesse um parque no centro da rua para nos alimentar de verde e sombra, nesses verões tão secos. Mas a arquitetura do agora não comporta tal sistema, ao invés disso, um árido tapete, banhado por intermitentes mangueiras de um carro pipa, se expõe como receptor dos raios solares se espalha pelos capôs pintados a tintas industriais dos automóveis modernos.

Ao contrário de uma floresta, a cidade cria corpos que se dispersam entre pequenos blocos de concreto, simulando minusculamente uma sintonia fora de forma, encruzilhada, entre antenas de TV e instalações elétricas onde nenhum quintal, nenhuma rosa sequer num vaso de janela, ou sinal de que se possa usufruir um jardim, exceto pelas ervas daninhas nascendo entre as rachaduras das mal formadas calçadas nos oferecem morada.

Apesar de tudo, a centenária árvore dá seus frutos, ou pelo menos joga ao acaso entre as facetas urbanas, suas “flores” mal dormidas que mimetizam uma singela imagem distorcida de uma suposta cerejeira, tal qual num outro lado do planeta surge entre a primavera, encantando e fazendo parar, pessoas apressadas.

Que não seja o caminho do Samurai, esse percurso cíclico o qual eu faço todos os dias pela BR, segundo, o escritor Inazo Nitobe, em referência ao período das guerras, quando a morte espreitava a qualquer momento. Não deixa de existir essa sensação do efêmero, dada a conduta diária de uma rodovia tão turbulenta, causar diariamente tantas mortes.

Vejo da janela do carro, sem correr mais o risco de entrar no passado e reviver o trajeto de um trem que interligava nossa cidade aos interiores, o passar de uma florada em intensa vida, coexistindo asfalto, poeira, fumaça e o sonho de se comemorar a passagem com um sorriso imaginário, entre sakurás e samaúmas.

Para os antigos samurais, não havia glória maior do que morrer num campo de batalha coberto de pétalas de cerejeira, ao contrário dos transeuntes daqui, que desapercebidos das sementes, enxergam apenas seus caminhos, impostos pelo calor e a agonia de um verão seco.