Fordlândia, a cidade perdida na floresta

Nessas ruas desconhecidas o passado cresce enquanto os vidros se descoloram com o limo, o espelho olha para trás e desconhece os mesmos lugares em que os viu refletidos um dia. A borracha e as personagens desse passado, os pneus dos sonhos de Ford.

Tão longe de tudo, as linhas desenhadas da cidade enriquecida, a eletricidade nos postes, a serraria, o som da usina. Nada trafegaria tão bem entre os modismos como as roupas de seus cidadãos.

Nesse lugar ainda circulam homens e mulheres fantasiados de fantasmas, andando de um lado para o outro como se ainda existisse o lugar preferido de seus hábitos diários. O ronco dos motores, o passar das rodas finas nas entranhas da terra molhada, o costume da conversa das tardes ensolaradas, os banhos de domingo nas praias de Belterra, a alegria das crianças endinheiradas de seus pais, as igrejas protestantes e seus cumes vitais, os jardins das casas de aspecto importado, as flores, as cirandas e as borboletas selvagens.

Tudo tão embolorado num circunscrito silêncio. A cidade presa ao passado. As chácaras, o cinema vazio. O salão das danças, a saudade, as cruzes pelas florestas.

A paz de uma cidade fantasma, as carcaças dos carros negros, buzinas, grama, as árvores aparentemente podadas pelo tempo.

Em preto e branco a sala vazia, as cortinas estragando-se, as visitas, as salas de visitas, o burburinho do comércio. A cachaça servida em bules.

Nada pode resistir mais que a lembrança do que um passado registrado por uma sentença histórica, os documentos ainda falam um pouco do que insiste em puir a cada inverno tenebroso.

Fordlândia é isso: osso e cal. Uma cidade perdida na floresta. Uma cidade fantasma. Ou apenas uma fantasia americana em pleno céu de anil de um norte sem rumo.

(Fordlândia foi o nome dado a um terra adquirida pelo empresário norte-americano Henry Ford, através de sua empresa Companhia Ford Industrial do Brasil, por concessão do Estado do Pará em 30 de setembro de 1927. Fordlândia fica próxima a cidade de Santarém no Estado do Pará. Ford tinha a intenção de usar Fordlândia para abastecer sua empresa de látex necessário a confecção de pneus para seus automóveis.