Natal no shopping

NATAL NO SHOPPING

Estamos longe de saber como tem gente fora desse mundo moderno, cheio de tecnologia e novidades. D.Maroca, por exemplo, mulher de fibra, colocou dez filhos no mundo. Todos saudáveis e bem de vida, podemos assim dizer. Gozando saúde, alfabetizados e com uma profissão que lhes permitem ganhar o pão de cada dia. Um deles, o do meio, conseguiu até uma graduação. Mora na capital e tem um bom emprego.

D. Moroca nunca saiu do interior. Cuidando do roçado, criando capote, porco e administrando com muita sabedoria os cinqüenta metros de terra que nem sabe mesmo se é seu. Se não tivesse no meio das brenhas, onde nem energia tem alguém já teria ido lá, cobrar imposto, ou decretar invasão de propriedade sei lá de quem.

O marido dessa nobre senhora fugiu com uma mulata que casualmente passou por aquelas bandas. Disse que trabalhava em Brasília na casa de gente fina. Ludibriou o caboclo dizendo que na capital tinha serviço e ele foi-se deixando a penca de filhos aos cuidados da esposa.

Um dia dezembro o filho do meio, o rico da família, contador de uma pequena empresa da capital, avisou a mãe que iria buscá-la para passar o Natal com ele. Nem queiram imaginar a alegria de Maroca. Não via o filho ha mais de quatro anos. Matou um porco para esperá-lo. Colocou cedo água no pote para ficar fria, armou a melhor rede, capinou a frente da casa, colocou azeite nas lamparinas e ficou esperando o filho.

Quando ele chegou foi uma festa. Abraços, beijos, conversas. Perguntou pelos compadres, comadres, quis tomar banho no rio, pescar e foi logo advertindo. Mamãe seu presente de Natal a senhora vai escolher no shopping. Vou levá-la comigo para conhecer cidade grande.

E de repente não mais que de repente, chega o grande dia. D. Maroca vestiu o vestido do festejo, passou perfume, prendeu os cabelos e foi-se com o filho.

Como achou bonita aquela casa grande. Nunca tinha visto manequim. Caixa eletrônico? Que é isso? Uma coisa que a gente faz cócegas e cai dinheiro. E outra que caia latinha de refrigerantes. Ficou intrigada também uma parafernália que era só apertar e saia uma porção de fotos. Com tudo se encantava e tudo era novidade. Mas o melhor de tudo era estar ali de mãos dadas com seu filhinho tão bem vestido, letrado, parecendo autoridade.

Foi difícil escolher um presente para sua santa mãe. Ela só procurava ração para os porcos, gaiola para os passarinhos, coleira para os cachorros. Só coisas desse tipo lhe interessavam. O filho fez todos os seus gostos. Levou-a numa sessão de um supermercado do shopping que tinha tudo isso e ela se fez. Não quis nada de roupa, nem sapato nem perfume. Mantimentos, objetos para casa e aceitou um rede de luxo por muita insistência do filho. Levou uma cesta básica para cada comadre. Mulher simples de coração grande.

Voltou feliz. O filho prometeu vir outras vezes. Nunca mais passaria tanto tempo sem abraçá-la. Isso lhe dava uma enorme felicidade.

As comadres que foram visitá-la após sua chegada todas ganharam um presentinho da capital. Quilos de arroz, farinha, pacote de café. Ela detalhava tim-tim – por –tim-tim, seu passeio pelo shopping. As colegas ficavam admiradas com tantas coisas que existem por esse mundo afora. Mas, no final ela confessou:

“Comadres, lá tudo é bonito. Mas o povo é mal educado. Não responde quando a gente fala. As donas das lojas ficam na entrada, mas não dão nem bom-dia, parecem mudas. Acho que é fiscalizando, pensando que a gente vai roubar. Uma faceirice, nem se mexem. Parece que engoliram um cabo de vassoura. Secas, vestindo umas roupas devassas e horríveis. Se fossem mais simpáticas eu convidaria para comer do meu pirão. Aposto como engordariam. Elas têm empregados e ficam ali paradas sem fazer nada. As vezes trocavam de roupa, mas nunca responderam nem um bom- dia meu. Eta, gente orgulhosa.

Maria Dilma Ponte de Brito
Enviado por Maria Dilma Ponte de Brito em 21/12/2006
Reeditado em 31/05/2020
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