Como os estranhos se conhecem

Não lembro quando comecei a ser tímido – mais tímido do que a maioria das pessoas. A psicóloga quer que eu lembre, mas eu não lembro. Acho que foi sempre assim. No Jardim de Infância mesmo, já era assim. Tinha alguns poucos amigos e só conseguia conversar com eles. Estava, modéstia à parte, muito a frente de uma estranha menina, que não abria a boca para nada. Se duvidar, nem para comer. Fazíamos teatro de fantoches e o fantoche dela não falava nada. Mexia-se muito, mas falar, não falava. Encontrei essa menina alguns anos depois e ela já falava. Quem parece ter desaprendido fui eu.

Por isso, foi até natural que eu tenha permanecido calado diante da moça que, subitamente, se transformou em minha companhia. Outro dia eu falei que achava não servir para jornalista. Mesmo assim, eu decidi fazer um concurso público – tão concorrido que só passariam aqueles que servissem para jornalista. E eu estava indo para lá quando uma moça baixou na minha frente – quero dizer que ela surgiu do nada. Era morena de pele clara. Usava óculos. Bonita. Perguntou-me onde era o colégio, o mesmo colégio que eu iria. E quando lhe disse isso, passamos a caminhar os dois em busca do local das nossas provas.

E fizemos isso praticamente sem abrir a boca. O silêncio era perturbador. De vez em quando, o tímido tem a tragédia de encontrar outro tímido, e então acontece isso. A única troca de palavras aconteceu quando ela me perguntou se eu conhecia aquelas quadras. Eu disse que não, mais ou menos. Ela, ao invés de me largar e procurar o colégio sozinha, continuou ao meu lado, e só voltamos a conversar quando enfim o achamos. Era cedo ainda. Ela disse que ia procurar algo pra comer e se despediu. Como eu já havia comido, procurei um lugar à sombra e sentei. Fiquei a pensar melancolias pessoais e profissionais.

Depois de um tempo, ela voltou do almoço. Viu que o colégio ainda estava fechado, e sentou-se não muito longe de mim. Cumprimentamo-nos levemente. E ali ficamos. Dois estranhos que tem a possibilidade de se conhecer e recusam. Olhei para ela. Era realmente muito bonita. Olhei, confesso, até o que não devia. Depois de muito tempo, ela se levantou e foi para o colégio. Dessa vez, sem se despedir.

Também fui para lá. Fiz a prova. Pulemos esta parte. Fui ao ponto de ônibus para voltar. Estava cheio de jornalistas, e o ônibus não vinha nunca – era domingo. Comecei a prestar atenção em duas garotas. Elas haviam se conhecido ali, na minha frente. Uma perguntou à outra sobre o ônibus que precisava pegar. E em seguida começaram a puxar assunto sobre a prova. Em pouco tempo, já falavam sobre a vida de cada uma. O meu ônibus veio e as duas também entraram. Mas não era o ônibus de uma delas. Ela pegou apenas para fazer um pouco de companhia à outra, que não conhecia muito a cidade. Sentaram à minha frente. Conversavam como grandes amigas. E uma ajudando a outra.

Descobri que desceriam um ponto antes do meu. Levantei para descer ali também. Meu desejo era ver como se despediriam aquelas duas estranhas, que estavam fazendo o que eu não tive coragem de fazer mais cedo. E, como eu já esperava, se abraçaram com grande ternura. Uma delas atravessou a rua e a outra ficou no ponto, esperando o seu verdadeiro ônibus. Nunca mais se verão. E então, acho que finalmente eu aprendi.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 28/09/2011
Reeditado em 28/09/2011
Código do texto: T3245421
Classificação de conteúdo: seguro