A FALA SILENCIOSA

De manhã cedo me deparo com o outro que se levanta de minha cama rumo ao banheiro para fazer a mesma coisa de todos os dias. O que me conforma com essa rotina é saber que minhas funções orgânicas estão em perfeita harmonia. Viva Deus! Logo em seguida, alguns minutos após o ritual do café, encontro-me com a fluidez lingüística das ruas. Nelas estão as pessoas, ou pelo menos, o que achamos delas. Com as pessoas estão as falas.

Próximo ao balcão de atendimento da escola, o encanador conversava com a coordenadora sobre o vazamento de água nos fundos. Sentados à mesa, enquanto tomavam café, duas professoras se queixam do aprendizado de seus alunos. Na cozinha, dona Maria e dona Chica se esforçam para explicarem ao merendeiro Zé, que é preciso que ele retome os estudos para sair daquela vida. Três professoras completam a cena exagerando no vernáculo sobre a vida de todos possíveis de serem falados naquele momento. Tive a ligeira impressão que somos falantes que sabem o que dizem.

Dediquei-me a fazer meu trabalho e me limitei a falar comigo mesmo. O dialogo conosco não deixa rastros para o outro nos seguir até nossa toca. Fiquei na toca até que fui interpelado pela ilustre pessoa da diretora: “Está calado hoje!” Sorri em sua direção e baixei a cabeça para continuar o serviço. Agora, ela e a coordenadora travam um dialogo sobre a traição masculina. Para elas as mulheres são todas Marias, com raras exceções, é claro, como asseverou a ilustre pedagoga: “Mas tem umas piranhas que desclassificam a categoria”.

As mulheres transitavam pela sala em um ritmo muito feminino: “Para lá e para cá”, como se todo o mover delas fossem seus quadris. A princípio nada vi de significante para uma análise do comportamento corporal daquelas senhoras. E nem vi nada de novo em suas falas, pois, soavam como um antigo repertório. A mais baixinha se sentou à alguns metros de mim e pude ver sobre suas roupas a silhueta de sua velha vagina. Ela simplesmente estava ali exibindo inocentemente o perfil de seu sexo. Uma outra passa a mão nos cabelos e mostra sem querer o recorte maravilhoso de sua camisa que me trouxe muita alegria em ver a testa daqueles peitos fartos. O rapaz, por sua vez coçava o saco a cada cinco minutos e mantinha seu olhar multi - focado, pois, a testosterona do moço não queria perder nenhuma cena.

Vi que o corpo fala. Como em toda fala as contradições aparecem. No nosso caso, a moral do discurso das mulheres fora contestada pela libido implícita em suas linguagens corporais. O moço e a minha pessoa não estavam passivos durante todo o processo de comunicação. Nós não falamos, contudo, dialogamos durante àquelas horas de trabalho. Assim, o dialogo não pressupõe, no mundo dos homens, o uso da fala necessariamente.

Roosevelt leite
Enviado por Roosevelt leite em 29/09/2011
Reeditado em 05/05/2012
Código do texto: T3248424
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