Um Guimarães Rosa para o rock

Falei ontem aqui sobre a facilidade de alguns discursos no Brasil. Pretendendo ser revolucionários, muitos dos discursos contra a Igreja, a Globo, ou os Estados Unidos, não passam de um exercício para preencher lacunas. Pois estou para acreditar que isso se estende também para o rock. Vejam: aí está o Rock in Rio que, extraordinariamente, acontece no Rio de Janeiro. E, como é tradição, conta com várias atrações que passam longe do que se considera rock. Por aí já nascem muitos discursos. Por extensão, costuma-se lembrar que o rock no Brasil já não é o mesmo, pois se encontra totalmente contaminado pelos músicos coloridos. Eis aí um discurso que, com as lacunas certas, faria sucesso.

Resolvi testar a hipótese. Perguntei a uma amiga o que ela achava do Rock in Rio. Ela disse que, fora o nome, não tinha nada contra. Quis saber então o que achava do atual rock brasileiro. Ela disse que, fora o nome, não tinha nada contra. Senti-me satisfeito. Já fui um grande entusiasta do rock e, por isso, me sinto à vontade para dar alguns pitacos.

Tenho visto que uma das principais críticas aos músicos coloridos, além da baixa qualidade musical, é a sua falta de politização. Quem fala isso tem na memória as bandas brasileiras dos anos 80, e a própria origem do rock – um gênero contestador. Pois os coloridos não questionam nada. Nem o pé na bunda que levam, diz outra amiga minha. Em suma, eles não são políticos. E o rock, desde os rebolados do Elvis, não é outra coisa senão política. Estou para dizer, inclusive, que o rock é o momento mais político do jovem atual. Mas de repente surge um Restart, um Fiuk, e colocam tudo a perder.

Definitivamente, eu não gosto de músicos coloridos. Ainda assim, sou obrigado a aceitar que eles não têm obrigação de questionar coisa nenhuma. E, ao se anularem politicamente, eles não deixam de fazer política – e rock, talvez. O que acontece é que nós não gostamos da política que eles fazem. Vestir calças skinny. blusas com decote em V e um visual colorido é ridículo, mas não deixa de ser questionador. De tal maneira que uma porção de adolescentes, ávidos por questionar qualquer coisa, passam a se vestir igual. Suponho que as letras, que eu não conheço, reflitam a própria imaturidade. Mas falar de amor e relacionamentos pelo resto da vida não necessariamente significa demérito. Ninguém é obrigado a cantar “Que país é este?” e oferecer as lacunas para o público.

Falta um Guimarães Rosa para o rock. Andei lendo o Nelson Rodrigues, e agora me saiu essa frase. Um Guimarães Rosa. Diz o Nelson que estão sempre exigindo dos artistas mais do que a arte. Um Guimarães Rosa não estaria preocupado com política. Todo o seu esforço estaria concentrado no estilo. Dele, faria toda a sua arte. Um alienado. Um anti-rock (ou seria, na nova grafia, um antirrock?). E desse fim talvez nascesse alguma salvação.

Porque, convenhamos: se o máximo de engajamento que o rock tiver a oferecer for o Capital Inicial xingando o Sarney, é porque realmente não há mais salvação.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 30/09/2011
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