A VERDADE ABSOLUTA
 
Estive em Natal/RN, agora, no mês de setembro. Hospedei-me na Casa do Professor. Gosto de ficar lá. É uma oportunidade que tenho de rever algumas pessoas que moram em outros municípios e que só tenho a chance de visitá-las quando estou, por incrível que possa parecer, em trânsito, para cursos, fóruns, seminários e capacitações.

Bem... Desta vez, estive dividindo o apartamento com um jovem novacruzense (Nova Cruz/RN), acadêmico de Direito, de nome Semaarcoyres. Nome estranho (parecido com nome grego), não? Sim, também acho, mas conhecendo a sua mãe (eu tive o prazer de conhecê-la), professora de Arte da rede pública estadual, percebo que o nome não é tão estranho assim. Segundo ele me falou, o nome dele é a mistura de céu (começa com “s” porque o prenome de seu pai é Sebastião), mar, ar e arco-íris.

Entretanto, não quero falar sobre nome estranho ou sobre a nobre professora (excêntrica, é verdade), mas, sim, de verdade ou de verdades ou, melhor, de uma verdade apenas, conhecida, também, por verdade absoluta. Será que ela existe?

Por que eu falo isto? Esse jovem – futuro homem da magistratura – é uma pessoa preocupada em aprender, em querer, como se fez na antiga Grécia, encontrar respostas para todas as perguntas da humanidade; principalmente, aquelas em que as respostas são de difícil compreensão.

Na segunda noite da minha estada, quando cheguei, ele estava dormindo. Entretanto, por volta da meia-noite, ele se levantou e foi estudar. Coisa que fez até as quatro da manhã. Nos dias subsequentes, ele procedeu da mesma forma.

Numa das noites, eu estava trocando de roupa para dormir, quando ele me fez esta pergunta: existe uma verdade absoluta? Eu olhei para ele e percebi, em seu olhar, a impaciência dos que têm pressa em querer saber todos os códigos da humanidade.

Confesso que fiquei em dúvida quanto à resposta. Mas, para atiçar a sua inquietude, eu lhe disse que a verdade é muito subjetiva, pois depende de quem a olha. É claro que essa resposta foi vaga, inconsistente, diria, razoavelmente simplista. Porém, a minha intenção foi a de querer avaliar a capacidade reflexiva do meu companheiro de quarto e, por isso, eu não lhe disse que não havia verdade absoluta (o que seria natural diante das várias teorias sobre o assunto), mesmo porque, eu, na minha humilde opinião, acho que ela existe (quero esclarecer que não sou nenhum estudioso do assunto ou doutor em filosofia e, muito menos, a pessoa mais indicada para responder a esse tipo de pergunta). Mas, como estávamos apenas nós dois, achei que o exercício da reflexão seria uma forma de passar o tempo, mesmo que essa reflexão, no final, não desse em nada.

Ele então me fez outra pergunta: se não existe verdade absoluta, por que então dois mais dois sempre haverá de ser quatro – aqui ou em qualquer canto do mundo? Juro que essa me pegou. Percebi, naquele instante, que estava diante de um pensador. Apesar de jovem, a sua preocupação, com relação às coisas da natureza e aos seus senhores, era evidente.

Ele tinha razão. Se não houvesse um padrão absoluto e, portanto, todas as coisas fossem relativas, então, quatro como resultado da soma de dois mais dois seria certo, por exemplo, para mim, mas não seria certo, por outro lado, para outra pessoa; matar, roubar, mentir, enganar, seria tão certo quanto fazer o contrário. Se não houvesse um padrão, não existiria uma sociedade firmada e qualquer cidadão faria o que quisesse. Leis, governo, justiça, tudo isso deixaria de existir, já que seria impossível impor alguma coisa a quem quer que fosse – sendo maioria ou não – se não houvesse uma unanimidade do todo; além disso, se não existe verdade absoluta, não existe a ética universal.

Neste momento, eu olhei para ele e busquei em seu olhar ávido por uma resposta, desta vez, as palavras mais consistentes para uma boa réplica e lhe disse: a maior prova de que pode haver uma verdade, acima de qualquer outra, está na ciência. Ela, que busca a verdade através de suas descobertas, não existiria se não pudesse comprovar aquilo que ela pesquisa e se fundamenta. Ela (a ciência) jamais saberia – se não houvesse o incondicional – se tudo aquilo em que ela se baseou (leis da ciência) é fundamentado na certeza da verdade absoluta. É claro, completei, que os caminhos da ciência são uma eterna procura pela verdade, mas, se não houvesse a verdade em que ela se fundamenta, o universo que conhecemos seria um caos, sem as leis da ciência e as leis da física.

Parei. O assunto era bastante convidativo para uma noite inteira de discussão. Contudo, eu precisava dormir. Seria ótimo conversar mais densamente sobre a tolerância e a intolerância, sobre ética situacional, sobre realidade, sobre a limitação humana de explorar a sua mente, etc., etc., etc.

Ele me olhou, fechou o seu notebook, pediu licença e foi para a sala de estudos. Não vi quando ele voltou. Só me lembro de, quando ele saiu, quase no limiar entre o sonho e a realidade, haver pensado em Deus. Sim. Deus é a resposta de que verdade absoluta existe ("Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim". João 14,6).

Adormeci. No outro dia, saí cedo. Ele já tinha acordado e já estava estudando. Não conversamos. Na minha volta, à tarde, ele estava na faculdade. Em cima da minha cama, um bilhete que dizia assim:

Raimundo,

“A verdade é cega e surda, ou melhor, a verdade não tem descrição. Ela é apenas sentida, e por ser sentida, cada um pode senti-la de maneira diferente, porém o conjunto destas sensações é a verdade absoluta a qual não pertence a ninguém e ninguém nunca chegará a ela”. Semaarcoyres. Natal/RN, 21/09/11.

 





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Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 09/10/2011
Reeditado em 19/04/2019
Código do texto: T3266537
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