Janelas, limites e imaginário

A vida passa pelas janelas, em cenas que se vão com a rapidez de um olhar. Centésimos de segundos podem ficar registrados para sempre em nossa memória, ou simplesmente desaparecerem. Guardamos o que queremos. Somos donos do nosso nariz. Deus nos deu o livre arbítrio e, assim, elegemos as paisagens que nos fazem bem.

O avião que passa pertinho de casa, a menos de um minuto do pouso, leva e traz muitos significados. São vidas e mais vidas ali, dentro de uma máquina voadora que, por algum tempo, nos torna parecidos com os pássaros. Apenas parecidos, é bom que nunca esqueçamos disso, porque nosso vôo é artificial, trancado na frieza aquecida pela esperança de chegar bem. Os pássaros não têm janelas. São livres.

Da janela de casa ou do avião, permanecemos na mesma simplória condição de observadores. Jamais voaremos de verdade, jamais seremos pássaros. Somos limitados, como as janelas. Até podemos mudar de visual, passarmos por alguma reforma, ganharmos alguns acessórios, sermos mudados de lugar, igualmente às janelas. Mas dessa condição delimitadora, só escapamos quando somos flagrados no processo imaginário, quando as nuvens são de algodão doce, os aviões acenam com suas asas e as janelas se abrem automaticamente para vermos o brilho do sol, a passagem da pessoa amada, a chegada do filho e se fecham quando as amarguras vêm a passos largos atravessando a rua em nossa direção.

Se ainda nem sabemos deixar a condição de janela, como seremos porta? Quando permitiremos que, através de nós, corpos se cruzem, atinjam novos cômodos? Ah, as janelas! Pare um dia para pensar como elas são importantes! Se acha que não são, imagine-se sem elas.

Quando passarmos a admitir que somos limitados igual a uma janela, daremos o primeiro passo rumo às portas. A janela nos mostra um novo caminho, um horizonte promissor. A porta facilita nossa caminhada até lá. De nada adianta viver cercado de portas, se não se consegue entender o que é revelado pelas janelas. E qual o motivo de achar que é feliz, só porque consegue sonhar na poltrona de um avião, se quando a realidade nos joga no chão e nos obriga a andar, a enfrentar obstáculos, como um simples ser cheio de limites, que jamais saberá o que é sentir a sensação do passarinho, aparentemente tão frágil, mas que não precisa de janela, nem de porta, nem de avião, para ver o mundo de onde bem deseja.