Resumir ou não resumir: eis a questão!



 
                               Sou obrigado a voltar ao meu antigo tema:  resumir ou não resumir!
                               Essa questão é velha pra mim. Via um acontecimento marcante na rua e meu prazer era chegar em casa e contar para meu pai. O velho era a própria síntese!  A pessoa mais sintética que já conheci. Os amigos dele babavam. Era comum eu ouvir essa frase: “ seu pai, em uma frase, escreve um mundo”.  Era o advogado mais sintético do fórum do Rio de Janeiro, ia no ponto central e a argumentação era firme, convencia os Juízes. Nada de se perder em minúcias desnecessárias...
                               Eu, ao contrário, adorava me perder em minúcias. Entrar por atalhos nunca antes palmilhados... Sempre achei o detalhe a coisa mais importante do mundo. Ainda acho que alguém ainda vai descobrir o detalhe que nos fará finalmente felizes nesta vida.
                               Pois bem, minha amiga leitora, meu fiel leitor,  porque estou  dizendo tudo isso? Vocês vão saber agora.
                               Era comum eu chegar na sala de casa e encontrar meu pai lendo o seu jornal.
                               Ávido por contar minha história pedia a atenção dele. Era bom contar as coisas para ele. Ele sempre tinha um adágio, um provérbio, uma lição para tirar de minhas narrativas.
                               Desconfio que ele gostava de parábolas. As parábolas  de Cristo,  soube todas elas pela    boca de meu pai.  Mas havia um problema.  Quando eu entrava nas minudências, ele logo me interrompia e dizia: “resuma, resuma, resuma a história”.
                               É aí que entra  o meu dilema  de hoje. Ontem, meus amigos, recebo um telegrama,  com uma frase sintética: “ adoooro você”  A única coisa mais extensa foi o adoro prolongado.
                               Claro, resolvi responder, mas por carta. O entusiasmo foi tal, que precisava mostrar e demonstrar todo o meu amor. Comecei então desde o meu nascimento na longínqua Manaus, passando por Belém do Pará, falando do meu primeiro velocípede que ganhei. Dos bolinhos de bacalhau que ganhava da portuguesa do bar da esquina. Da praia do Mosqueiro. Dos jacarés que me impediam de sair da casa de palafita no Careiro, na minha terra natal. Dormiam debaixo da casa e só acordavam às dez da manhã, quando retornavam para o rio Negro. 
                               Depois, já na ilha de uma casa só, na Bahia, onde pegava siri ou caranguejo. Até hoje não sei se era siri ou caranguejo.
                               Minha passagem por um ano na cidade de Caxambu, em Minas Gerais. O prato de feijão vinha com moscas boiando e, nós, alunos de um colégio de padres, cabeças raspadas, tínhamos que exercitar a humildade.
                               E já estava descrevendo o meu discurso de paraninfo ao terminar o quarto ginasial, no Colégio Rezende, no Rio de Janeiro. Dizia no discurso que a humanidade estava num beco sem saída. Vejam vocês: a humanidade vem  encalacrada há tanto tempo... E eu encalacrado para mostrar o meu amor à minha amada. 
                               Tudo isso, amigos e amigas, para mostrar para a amada o meu sentimento de amor  verdadeiro!
                               Já estava na vigésima página, quando vejo a cara do meu pai, sisudo, me dizendo: “ meu filho, resuma, resuma!”
                               Meu Deus, como ela vai entender o meu amor? Meu pai, mesmo depois de morto, me pedindo pra resumir.
                               Tomo uma decisão!  Rasgo as vinte folhas. Dou um murro na mesa, de insatisfação!  Respondo à minha eleita, pensando: “ela que veja na minha pequena frase o meu mundo maravilhoso de boas intenções para o nosso amor.”
                               E escrevo, finalmente:  “Também adoooro você!”