"O câncer de Lula me envergonhou "

Durante a fala do então presidente Lula na  CONAE 2010
 
    Desde que a doença do Ex-presidente Lula se tornou pública, li na rede e recebi vários emails sobre o assunto. Alguns de solidariedade, de pedidos de prece, felizmente, outros grosseiros e de mau gosto como é o preconceito e a intolerância. Devo confessar que, humana, algumas atitudes da minha espécie me indignam, me envergonham. Sei, pois aprendi a duras penas, que não basta nascer na espécie: humanidade se constrói.
    Entendo os que silenciam, os que não torcem nem contra nem a favor, mas os que tripudiam, escarnecem da dor alheia, do sentimento da família e dos amigos de quem, como qualquer ser vivo, adoece, esgotam minha capacidade de compreensão, de entendimento.
    Minha amiga, professora Gorete Amorim respondeu ao email em que partilhei a indignação do Jornalista Gilberto Dimnestaim, com uma reflexão emocionada e lúcida, que reproduzo aqui, pois concordo com cada palavra de tristeza e indignação mas principalmente, de sabedoria.

Edna,

"A miséria não se revela apenas pela carência material, até acredito que o excesso de condições materiais para alguns tem causado muita miséria humana. Quem é capaz de queimar um índio (pessoa) viva num banco de praça, de fazer pegas nas ruas e matar famílias, de explorar a prostituição de menores, etc, etc, que razão tem para olhar humanamente para alguém que se apresenta com uma doença grave? Que diferença tem a vida de alguém para quem não conhece essencialmente o valor da própria vida? Apesar de essas coisas acontecerem, não são a elas que devemos nos apegar, mas às atitudes de quem nos exemplifica com humanidade, solidariedade e amor incondicional. "A burguesia fede", mas não é casualmente que ela existe, lembra "Das crianças aprendem o que vivenciam"?  Abraço, Gorete



Minha medida, minha referencia sempre será o que desejo a mim mesma, aos meus e a capacidade de me colocar no lugar do outro.
 
Reproduzo aqui o texto do Jornalista Gilberto Dimenstein. Faço também minhas suas reflexões e sua vergonha, que deveria ser a vergonha de quem tem respeito pela vida humana.


O câncer de Lula me envergonhou

Gilberto Dimenstein
 
 
 
Senti um misto de vergonha e enjôo ao receber centenas de comentários de leitores para a minha coluna sobre o câncer de Lula. Fossem apenas algumas dezenas, não me daria o trabalho de comentar.
O fato é que foi uma enxurrada de ataques desrespeitosos, desumanos, raivosos, mostrando prazer com a tragédia de um ser humano. Pode sinalizar algo mais profundo.
Centenas de e-mails pediam que Lula não se tratasse num hospital de elite, mas no SUS para supostamente mostrar solidariedade com os mais pobres. É de uma tolice sem tamanho. O que provoca tanto ódio de uma minoria?
Lula teve muitos problemas --e merece ser criticado por muitas coisas, a começar por uma conivência com a corrupção. Mas não foi um ditador, manteve as regras democráticas e a economia crescendo, investiu como nunca no social.
No caso de seu câncer, tratou a doença com extrema transparência e altivez. É um caso, portanto, em que todos deveriam se sentir incomodados com a tragédia alheia.
Minha suspeita é que a interatividade democrática da internet é, de um lado um avanço do jornalismo e, de outro, uma porta direta com o esgoto de ressentimento e da ignorância.
Isso significa que um dos nossos papéis como jornalistas é educar os e-leitores a se comportarem com um mínimo de decência.
 
 

*Gilberto Dimenstein, 54, integra o Conselho Editorial da Folha e vive nos Estados Unidos, onde foi convidado para desenvolver em Harvard projeto de comunicação para a cidadania.
 
Publicado no jornal Folha de São Paulo em  30/10/11