SARGENTO PIROQUINHA

Como para outro qualquer, chegou o dia em que deixei a casa dos pais e cumprindo o estatuto da vida fui correr mundo, na busca de aventuras. Tempos depois, de férias, me atualizava sobre as fofocas de Bom Despacho, no Bar do Timário, quando com olhos úmidos o Bruxo me contou que haviam fechado a Boate Moranguinho – onde nervoso e meio bêbado tive as primeiras lições práticas de como continuar a espécie! No carro, à noitinha, saudoso voltei lá, conferindo. Quase nem pude acreditar. Realmente, os jardins da entrada foram tomados pelo matagal. Nas paredes desbotadas vicejavam ervas daninhas. O teto da varanda desabara. No palco de shows, cortinas e cenários apodreciam. O chafariz do pátio interno resume-se hoje ao pedestal. Da piscina, outrora povoada de 'sereias' libidinosas, não restou sequer um azulejo para trazer de souvenir...

E lembrar que nem faz tanto tempo assim, funcionou ali um verdadeiro Templo do Prazer. A fama da beleza e dos préstimos de suas mulheres ultrapassavam as fronteiras da cidade! À volta daquelas mesas – para esquecer outras dores da vida –, quantos amores clandestinos foram combinados ao som de músicas ‘xonadas’, tilintar de copos, fumaça de cigarro, luz avermelhada prenunciando paixões... Era para ser outra noite de chuva fina e movimento fraco, quando uma pick-up Willys suja de barro até o teto, carroceria abarrotada com trecos de pescaria, estacionou à porta da boate e dois elementos desceram à procura de... No minuto seguinte, comandando uma patrulha, marcial, o sargento Piroquinha adentrou ao recinto escoltado por dois outros meganhas.

E foi dar com as vistas nos forasteiros, que baixou nele o velho espírito de ninja. Sem meios-modos empurrou um dos novatos contra a parede, exigindo-lhe identificação. O outro ‘estrangeiro’ ainda quis parlamentar, dizendo que os documentos estavam na caminhonete e que também eles eram agentes da lei – ainda por cima federais! “– Se uma das bonecas for autoridade, eu sou a 'chacrete' Rita Cadilac!”, debochou o Piroquinha. Desde que lhe haviam costurado a divisa de sargento no ombro da farda, ele passara a se achar o dono do mundo, ou quando nada sócio majoritário do negócio! “– Algema e tranca os meliantes na viatura, que vamos levar!”, ordenou aos praças.

Nada ocorre por acaso. Conheço o Zezão desde moleque, quando frequentávamos o mesmo campinho de terra, jogando peladas, e ele dono da bola e do time ganhou o apelido exasperante: piroquinha! Que era como chamávamos aquela coisa que os meninos carregam balouçando entre as pernas, se pequenina demais! Nos meios diplomáticos é prêmio ser nomeado embaixador em Londres ou Paris... Capitais como Belfast e Beirute são tidas como castigo. Nestas, terroristas fanáticos explodem bombas nos lugares públicos! Outras profissões, igualmente, têm cidades que dão prestígio, ou punição. Policial militar destacado em Bom Despacho ou Dores do Indaiá, é sonho. Se Nova Serrana e Pompéu: pesadelo. Para infelicidade do sargento Piroquinha, chegados à delegacia os dois ‘marginais’ puderam enfim sacar suas identificações: tratava-se de figuras do alto escalão, em Brasília! A ordem para sua expulsão da polícia chegou rapidinho. Contudo, diplomaticamente, o ‘Rambo’ foi transferido para Pompéu. Lá, o Zezão-Piroquinha anda todo cordial. É “Sim senhor”, aqui; “Faça o favor”, ali; "Às suas ordens", acolá... Fechada, a Boate Moranguinho entristece. O Bruxo jura pelas coelhinas da Playboy que, em breve, outra casa noturna será aberta na cidade. Porém já não somos os mesmos rapazinhos inexperientes.

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 04/11/2011
Reeditado em 14/11/2011
Código do texto: T3317455