CRÔNICA (LITERALMENTE) POLICIAL

O pai acaba de contabilizar a quarta perda de filhos, todos mortos em plena flor da idade. O último, João Carlos, assassinado com um tiro no ouvido, por causa de um mísero celular. O infeliz que lhe ceifou a vida queria apenas o ‘chip’ do aparelho, tanto que a pequena distância do corpo do rapaz jogou as bandas do celular. Um dos policiais que atenderam ao chamado da ocorrência foi que deu com restos do objeto cobiçado pelo crápula do assaltante.

Seu João Alberto, o pai perdedor dos quatro filhos, todos assassinados pela mão impune da violência urbana. O bairro é o Pio XII, ladeado por outros antros de marginais. Áreas de altíssimo risco, em Fortaleza, como, de resto, há riscos e perigos em cada esquina da cidade inteira. Melhor seria dizer: hoje em dia, uma capital perigosa, com alerta vermelho, igualzinha a todas, sem exceção, neste imenso País, o país da impunidade.

Cabelos grisalhos, mas homem forte, ainda, Seu João Alberto – sem conter as lágrimas, a dor e a indignação – mostra as quatro carteirinhas de RG. Todas as caras de gente nova, rapazes fortes e ainda em seus verdes anos de idade. Até o experiente policial que o ladeia está visivelmente comovido; e o mesmo se dá com o repórter, afeito a cobrir tantas matérias tristes e horripilantes, em seu dia a dia.

O pai continua com os quatro RGs dos moços assassinados, à mão, em forma de leque, e afirma peremptoriamente: “– São quatro filhos mortos e ninguém faz nada.” Só que a revolta e indignação de Seu João Alberto não é apenas a dele – sua raiva, por ninguém fazer nada, com certeza se junta ao desespero dos milhares de pais, mães, tios, irmãos, parentes e amigos que perderam outros tantos de milhares de pessoas que tiveram suas vidas interrompidas pelas mãos imundas e sanguinolentas da criminalidade.

Seu João Alberto, um simples, em sua casinha simples, a bem dizer, um casebre, recorda que nenhum dos seus filhos era bandido, todos foram trabalhadores. E estranha o fato de alguém, por covardia, assassinar outrem por um insignificante celular de 80 reais, tão-somente para trocar o ‘chip’ por três pedras do maldito “crack”, esta invenção moderna do demônio que veio para fomentar a destruição de famílias inteiras.

Literalmente, amigas e amigos, esta é uma crônica policial. Não sei fazê-la, à moda dos repórteres do ramo, que, tão bem, no seu quotidiano, descrevem e mostram cenas das desgraças sociais existentes nas cidades grandes, médias e até pequenas deste gigantesco País, assemelhado, atualmente, à velha Chicago dos anos 30. Além de não saber descrever os casos policiais com a maestria dos repórteres especializados, também, até recente, não apreciava os programas deles. Mas mudei de opinião, agora eu assisto a estes programas no intento de melhor conviver – e sobreviver – com os inúmeros tipos de violência urbana.

Achem brega, sem futuro algum, coisa de puro mau gosto, hoje eu já me posto diante da TV e fico a olhar um programa policial. É também auto-aprendizagem. Quem sabe, o malfeitor está ali, ao nosso lado, morando ou homiziado no mesmo quarteirão, e assim passo a evitá-lo no convívio dos nossos familiares.

Vocês já pensaram nisso, na auto-aprendizagem que se faz? Só que é preciso mostrar os muito facínoras, de cara limpa, senão como reconhecê-los? Nos EUA, que se dizem o paraíso dos Direitos Humanos, embora só saibam fomentar guerras, bota-se nas paredes a cara do infrator perigoso: PROCURADO! E ainda oferecem gorjeta, para quem achá-los.

Na simplicidade de Seu João Alberto, o pai que perdeu quatro filhos, no dizer dele de que “ninguém faz nada”, talvez seu inconsciente esteja a falar aos mais altos poderes brasileiros, sobretudo ao Congresso Nacional, que realmente é omisso e muito pouco ou nada faz para modificar os ultrapassados códigos e leis, uma legislação superada que só ampara – ou malmente pune – os criminosos de alta periculosidade.

É doído, comovente e revoltante o camarada ver um caso como o da família do Seu João Alberto, dizimada em alta escala. Revoltante porque, à primeira vista, em nada se pode influir para amenizar a dor dos que ficaram a chorar seus entes queridos. Antecipadamente, sem apelo, todos estão inteirados de que nada vai mudar na rotina da impunidade, diante do mau falatório: “polícia prende e a justiça solta”.

Além da queda, coice. Já externamente resignado, Seu João Alberto diz ao microfone da reportagem: “– Tive que tomar dinheiro emprestado para cuidar, na funerária, do sepultamento. E ainda vim a pé, lá do IML, por não ter nem para a passagem.”

Mas, ora, meu povo, sempre a sociedade, em sendo consciente, pode, sim, influir, influenciar e cobrar e EXIGIR mudanças profundas nos velhos e cansados Poderes Públicos. O que nos está faltando é a gota d’água sobreposta ao lombo de neve da pasmaceira dos Três Poderes da nossa República Federativa, hoje e sempre tão vulneráveis à corrupção, haja vista o que está na crônica política do dia a dia.

Fort., 04/11/2011.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 04/11/2011
Reeditado em 06/11/2011
Código do texto: T3317801
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