Meu dentista no elevador

Um baixinho, careca. Meio gordinho. Cara estranha. Um tipo esquisito. Viu que eu estava entrando no elevador e decidiu pegar o próximo – simplesmente. Não o culpo: eu teria feito exatamente o mesmo. E o nosso simples motivo para isso é que nos conhecemos. Ou melhor: nos conhecemos e não queremos mais nos ver – eu, pelo menos, não quero.

Digo que nos conhecemos, mas a verdade não chega a tanto. Foi apenas o caso em que ele tratou e destratou os meus dentes – pois o baixinho é um dentista. E dos sanguinários. Se houvesse carne nos dentes, eu o chamaria de açougueiro. Quando faz uma simples limpeza, coisas podem sair voando da sua boca: uma restauração, o próprio dente, talvez a língua. É a personalização do dentista das pessoas com medo de dentista. Em geral, não há motivo para muito medo. Pois com esse dentista, todos os medos são poucos.

Suas consultas, quando demoram, chegam a cinco minutos. Corre-se o risco de ser dispensado antes mesmo de abrir a boca. Até que um dia cansei, desmarquei uma consulta e não apareci mais – arrumei uma dentista. Enfim. Era esse o homem. É preciso dizer que ele não perde a oportunidade de cantar uma mulher – casada, solteira, viúva e desquitada. Cantou a minha chefe, que estava grávida. E cantou sem ter moral nenhuma pra cantar. Não é o tipo de dentista que vai despertar alguma fantasia – não mesmo. O brabo é que às vezes ele parece simpático. Pois bem. Entrei no elevador e ele decidiu pegar o próximo – como se houvesse algum motivo lógico para fazer isso.

Imagino a cena: estamos os dois no elevador. Somos os únicos passageiros. Ficamos cada um em um canto. Eu olho distraído para o celular. Ele não olha para coisa nenhuma. Ou, antes: olha para a televisão que há dentro dos elevadores. Tentamos ser naturais – fingimos ser naturais. E os pouco segundos que o elevador leva para subir do térreo ao décimo primeiro andar são eternos. Estamos constrangidos e não nos olhamos.

Não, não, apaguem essa imagem aí. Vamos a uma outra: estamos os dois no elevador. Somos os únicos passageiros. Ficamos cada um em um canto. Ele olha para mim e me cumprimenta. Eu retribuo. Ele observa que já faz algum tempo que eu não vou ao seu consultório – e há alguma malícia na sua frase. Respondo que é verdade, faz tempo sim – eu podia dizer que não havia precisado mais, alguma coisa assim. Podia mentir. Não minto: apenas concordo que faz tempo.

Uma terceira imagem: estamos os dois no elevador. Somos os únicos passageiros. Ficamos cada um em um canto. Ele me cumprimenta secamente. Faço o mesmo. Pergunta por que não apareci mais no seu consultório – só há malícia na sua frase. Respondo que é porque ele não sabe cuidar, é péssimo dentista, destrói restaurações e machuca toda a boca dos pacientes. Sua fisionomia se altera: “O que é que você está falando? Repete!”. E eu: “É isso mesmo, seu galanteador de meia pataca! Vá se olhar no espelho, seu careca safado”. Nos atracamos ali mesmo, no elevador. A porta abre. E nós continuamos ali.

Bom. Nenhuma das três imagens me parece muito agradável. Diante disso, o melhor que poderia ser feito era justamente tomar a atitude que o dentista tomou: deixar passar o elevador e pegar o próximo.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 09/11/2011
Reeditado em 11/11/2011
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