Um dia sem celular

Podem me achar antigo, conservador ou antiquado. Depois disso tudo, podem até calcular a idade que tenho pelos discursos que faço. Apesar dos pesares, tenho orgulho de pertencer a uma geração em que certos avanços tecnológicos tão comuns nos dias atuais não existiam e, ainda assim, vivíamos muito bem sem eles.

Diz o ditado popular que “a necessidade é a mãe de todas as invenções”. O tempo passou e mostrou que o inverso também é verdadeiro. Inventa-se um produto, pensa-se nas necessidades depois. E com uma avalanche de aparatos tecnológicos, vou descobrindo (ou criando), aos poucos, necessidades que nem imaginava ter. Pense aí... Antes eu não tinha algo, mas não tinha a menor consciência de que esse algo que eu não tinha, um dia iria me fazer alguma falta! Meio maluco, não?!

Aos poucos, e sem me dar conta, essas necessidades vão fazendo parte da rotina e vão tomando conta de um espaço maior do tempo que dedicava a outras atividades. Sim! Porque se existe um grande monstro devorador de minutos e segundos, esse bicho-papão se chama tecnologia! Alguns podem até chamar isso de resistência a mudanças. Outros podem me perguntar: e no seu tempo não tinha, pelo menos, um rádio ou uma televisão?! E eu respondo que sim, mas até aí havia algum controle quanto ao tempo gasto diante deles.

Viver num mundo tecnologicamente desenvolvido, conectado e evoluído pode ser bom, entretanto não chega a ser a oitava maravilha. Talvez, nisto resida o segredo da simplicidade dos lugares mais distantes de tanta modernidade. Uma casinha no campo, numa praia deserta ou um chalé no topo de uma serra têm seu valor. Como diz a canção, “sem rádio e sem notícias das terras civilizadas”. Contatos?! Só se for ao vivo e em cores.

Por isso mesmo, às vezes me pego pensando... Assim como existe um movimento de incentivo à diminuição de emissão de gás carbônico na atmosfera, promovendo uma ação conjunta “um dia sem carro”, bem que poderia existir um movimento em prol da paz de espírito pessoal e mundial promovendo uma ação no mesmo sentido, ou seja, um dia sem celular.

Imagine um dia de férias para os seus ouvidos, sem os toques mais esquisitos, estranhos e variados. Cada dia me surpreendo com um. Toques que vão do estilo brega à música clássica; dos sons mais comuns de um aparelho telefônico a imitações de animais; de sirenes a uma voz gravada como aquela que pede insistentemente pra você atender o seu brinquedinho: “Ô atende, vai, vai, vai, atende!”. Isso sem levar em consideração que os milhões de aparelhos espalhados pelo mundo possuem funcionalidades capazes de personalizar o toque de um pra um. Em outras palavras, é possível ter um toque específico pra esposa, pra cada filho, pra namorada, pra sogra e assim por diante.

Imagine você poder assistir uma peça, uma celebração religiosa ou uma palestra importantíssima sem esse barulhinho que lhe persegue. Além da voz dos que comandam o evento, apenas o silêncio na plateia. Mas, o que acontece: de repente, o celular do seu vizinho dispara a tocar o hino do time do coração. Isso num volume que lembra uma torcida uniformizada em plena decisão de campeonato. Sim, porque em matéria de volume, esses são tão variados quanto a quantidade de toques. Ninguém merece! Nem mesmo o pobre coitado que conseguiu chamar a atenção, bem como se esqueceu de desligar o tal do aparelho (melhor pensar assim!). É batata! Celulares, lugares e horários menos indicados se atraem, assim como o chão atrai o pão justamente pelo lado em que você passou a manteiga.

Imagine você passar um dia sem saber, involuntariamente, da vida alheia. Falar alto parece que virou pré-requisito de muitos que têm acesso a essa tecnologia. E hoje em dia é difícil encontrar uma criatura que não o tenha. Pode ser pura falta de educação, como pode ser uma mera distração. Pessoas habituam-se a falar alto quando estão em público e quando estão com o aparelho na mão. Daí, você aluga o seu ouvido para ouvir histórias que não fazem parte da sua.

Bem... Pertencer a uma geração anterior a esta guarda lá suas vantagens. Uma delas é, justamente, poder colocar tudo isso em perspectiva e saber valorizar o que se tinha (ou o que não se tinha) para não perder o que se tem em troca de momentos que, paradoxalmente, podem deixar você desconectado das pessoas mais próximas ou das que você mais ama.

Mano Kleber
Enviado por Mano Kleber em 16/11/2011
Reeditado em 25/10/2012
Código do texto: T3339602
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