As dores existenciais




 
                        Hoje, conversando com uma querida  amiga, fico sabendo que ela sentiu uma dor existencial. As dores existenciais doem muito, muito mais que uma dor física.
                        Dizia-me ela que talvez ainda não estivesse bem amadurecida, pois, se não gostava de magoar os outros, constantemente se magoava a si própria e não conseguia tomar decisões importantes em sua vida.
                        Como amigo,  fui logo lhe dizendo que também sou assim, apesar de ter vivido muito. Continuo com dificuldades de tomar decisões a meu favor, e com isso me machuco, uma espécie de masoquismo, que os psicanalistas falam tanto.
                        Este tipo de dor dói muito, muito mesmo!
                        Quantas dores existenciais existem por aí... Dor de injustiça, dor de não ter tomado a decisão certa, dor de não conseguir ser feliz. É muita dor que o ser humano sente.
                        Há também aquelas dores menores. A dor de não ser apreciado devidamente por certa pessoa. A dor de não estar enturmado também dói.
                        Recordo-me de uma pequena dor que tive ainda em criança. Deveria estar com meus sete anos.  Fui uma criança com poucos brinquedos. Nasci numa época de dificuldades financeiras do meu pai. Brincava, em geral, na casa de amigos ou de primos. Certa vez, fui à casa de uns primos ricos.  Era uma beleza, encontrava todo tipo de brinquedo, desde bicicleta, pista de corrida de cavalos, até trem elétrico, que sempre almejei e nunca consegui ter. Foi numa manhã:  os brinquedos largados no chão e os primos saciados de tanto brincar. De repente, vejo uma bicicleta jogada no chão, corro para ela e começo a andar num grande pátio existente na casa, numa alegria desmedida.  Logo nas primeiras  pedaladas, minha prima Ana me vê e começa a chorar muito alto, fazendo escândalo proposital,  pedindo à mãe dela que eu devolvesse imediatamente a bicicleta, que era dela. Fui obrigado a devolver, mas dei-lhe um tapa no rosto bem estalado e, ato contínuo,  saí em disparada para minha casa e não mais voltei à casa dos meus primos, envergonhado.   Garanto que minha dor foi maior que a dor do tapa no rosto da prima.
 
                        A dor daquele amor que não percebemos ou não compreendemos. E ficamos inertes, deixando escapar...  Estou falando dessas dores, para chegar na dor maior que é a dor da rejeição.
                        Percebo que a dor da rejeição é a mais generalizada. Essa dói demais...
                        São muitas as formas dessa rejeição. Há tantos exemplos que se passasse a enumerá-los a crônica viraria um livro.
                        Me vem à mente outra lembrança: meu grande amigo de juventude, o Miguel. Noivo, apaixona-se por uma baiana, quando esteve em férias na Bahia. A paixão galopante fez com que ele terminasse com seu noivado com uma moça exemplar no Rio. Sei bem desse caso, pois fui chamado por ele para ir até à casa da noiva, dando-lhe força para o término do seu relacionamento. Foi um rompimento dramático, a moça quase desfaleceu e implorava ao Miguel que não fosse embora. Imaginem a dor dessa moça!
                        Rompido o noivado, casa-se quase, imediatamente, com a baiana. Depois de 10 anos de casamento, com cinco filhas, pai exemplar, carinhoso, só qualidades, recebe um ultimato da esposa: “Miguel, quero que você saia de casa hoje mesmo, pois não consigo mais olhar para a sua cara”. Sim, meu amigo, minha amiga leitora, foi assim como estou contando.
                        Não houve nenhum motivo mais sério, apenas a mulher enjoou da cara do Miguel. Imagino, hoje, a dor existencial do meu amigo.
                        Escrevi essa pequena crônica, incompleta, tanta coisa poderia ser dita, para dar uma resposta à minha amiga. Para que ela sinta que não está sozinha, praticamente somos todos, uns mais outros menos, carentes, com nossas dores existenciais.
                        Segundo os entendidos, há uma dor existencial bendita. É a dor do crescimento emocional, do amadurecimento, que vai nos permitir um autoconhecimento,  e que nos permitirá gostar mais da gente mesmo, para então saber amar quem nos mereça.