Traumas musicais

Há uma triste verdade sobre as músicas que gostamos. Por mais que a gente queira, elas jamais servirão para funções nobres como as de despertador e toque de celular.

Já faz algum tempo que insisto em ser acordado por músicas legais e empolgantes, acreditando que isso possa tornar menos árduo esse momento crítico do dia. Mas não só isso não funciona, como recentemente precisei remover Give it away, do Red Hot Chili Peppers, da minha playlist por puro trauma.

Acostumei então a escolher um som de alarme sabendo que logo terei de dizer adeus, como em qualquer relação desgastada. É uma escolha difícil. Hoje acordo com Purple Haze, do Jimi Hendrix, sabendo que logo ela se tornará antipática, bem como aquelas que nos lembram amores mal-resolvidos.

Com toques de celular as experiências são ainda piores. Talvez por eu não apreciar receber ligações em geral, o som do toque me remete ao chefe que liga durante a folga, ao amigo que me chama empolgado em um dia preguiçoso, às inevitáveis e imprevisíveis más notícias da vida. E foi por isso que nos últimos tempos excluí de minhas listas Fly Away, do Lenny Kravitz, Higher Ground, do Stevie Wonder (com dor no coração), e Night Time is The Right Time, do Ray Charles (e da minha formatura), entre outras que no início até me faziam deixar o celular tocando por um tempo maior que o necessário.

Acredito que na época dos toques polifônicos ocorresse o contrário. Ouvir aquela singela simulação de uma música que gostássemos dava vontade de ouvir o som verdadeiro. Escolhemos músicas para despertador e toque sabendo que logo nos deixarão traumatizados, como as que ouvimos diariamente na abertura da novela.

É verdade que, apesar dos pesares, não abri mão ainda de tornar musicais estes momentos do dia-a-dia. Se hoje o leitor me ligar, atenderei ouvindo We’re Gonna Groove, do Led Zeppelin. Mas dificilmente ouvirás esta bela música em uma festa na minha casa em um futuro próximo.

Andrei Andrade
Enviado por Andrei Andrade em 18/11/2011
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