Outrossim, válido aditar

Diz o velho Braga – sempre ele – que existem boas maneiras para se começar pessimamente um texto. E cita o caso do homem que queria publicar um artigo sobre economia ou política na revista Diretrizes, dirigida por Joel Silveira, de quem era amigo. Depois de muito tempo, o artigo finalmente ficou pronto e foi entregue ao Joel, que começou a ler. Pois não precisou ler mais que a primeira frase. Indignado, e aos gritos, foi mostrar ao Braga o começo do artigo que havia lido.

- Veja se é possível publicar isto! Leia as três primeiras palavras: você não conseguirá chegar até a quarta palavra. A linotipo vai engasgar na hora de compor isso!

E o Braga leu então as palavras que o amigo de Joel havia escolhido para iniciar a sua composição:

“Tirante, é óbvio...”

- Eu fecho esse jornal, mas esse artigo não sai!

Lembrei dessa história porque acredito ter encontrado um caso ainda pior. E digo pior não só pela escolha das palavras, mas por estar na apresentação de uma revista – uma publicação sobre a inclusão feminina na sociedade. Depois de dizer que pretendem colocar a mulher “como artífice da construção de uma sociedade equânime” – o que por si só já é algo apavorante – o redator teve a habilidade de compor o seguinte início de parágrafo:

“Outrossim, válido aditar...”

Fiquei tão espantado com essa criação que tive vontade de conhecer o seu autor. Certamente, trata-se de um septuagenário nato, como o Nelson Rodrigues chamava gente como o Rui Barbosa. O Nelson, inclusive, dizia que o Rui havia sido o último deles. Pois eu creio que não. Ninguém aprende a falar “outrossim, válido aditar”. É bem provável que o redator já tenha nascido com isso dentro dele. A apresentação da revista foi apenas a oportunidade para que a frase se manifestasse. Eu, sinceramente, não consigo imaginar como tenha sido a infância de uma pessoa capaz de formular frases como essa – é por essa razão que acredito se tratar de um septuagenário nato.

Outrossim, válido aditar que a revista está procurandoum jornalista. E por uma grande coincidência, eu sou um jornalista. Como é uma revista que trata de temas essencialmente ligados à sociedade feminina, eu imagino que prefiram contratar uma mulher – e, como se sabe, eu não sou uma delas. Mas apesar disso, acho que não seria esse o maior problema que eu poderia ter com o conselho editorial da revista: eu me considero muito mais próximo do cérebro feminino do que do cérebro do Rui Barbosa.

Tirante, é óbvio, contradições secundárias.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 21/11/2011
Reeditado em 22/11/2011
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