A relação perniciosa entre Saddam Hussein, os Estados Unidos e a mídia mundial

O ano começou sob o impacto de imagens gravadas por um celular que mostravam o corpo de Saddam Hussein balançando após seu enforcamento. Não que eu me importe com a morte do ditador, por mim, é mais um que sequer deveria haver nascido. Contudo, o que me incomoda profundamente neste caso é este sentimento de que estão subestimando minha inteligência e me tratando como idiota o tempo todo. É odioso ver a escancarada hipocrisia dos estadunidenses ao insistir em patrocinar este verdadeiro teatro que foi o julgamento de Saddam Hussein. Com isso querem mostrar ao mundo que, ao contrário do que o ditador fazia, eles sim, deram ao ditador um julgamento "justo", feito pelos seus compatriotas e com toda a possibilidade de se defender das acusações. Puro teatro, pura hipocrisia. Quem não sabia que o homem já estava condenado de antemão?

Pior que isso, estadunidenses e iraquianos dizem que a condenação saiu em razão dos crimes de guerra cometidos por Saddam enquanto líder do Iraque. Quanta hipocrisia! Se a moda pega, nenhum presidente estadunidense pós-segunda guerra mundial escaparia do cadafalso. O primeiro a puxar a fila seria Mr. George Walker Bush, que nestes últimos seis anos não tem feito outra coisa senão provocar guerras e matar milhares de inocentes apenas para enriquecer a si próprio e a seus amigos petroleiros. Shame on you, Mr. Bush!

Se listarmos os últimos presidentes americanos e seus respectivos crimes de guerra, veremos que, no fim das contas, eles têm uma ficha corrida tão grande, ou até maior, que a de Saddam. Exagero meu? Iniciemos com Bill Clinton. Muitos diriam que este não fez nada, pelo contrário, foi um bom presidente. Todavia, apesar dele ter ficado na memória de todos como o garanhão que transava com suas estagiárias, ele também é um criminoso de guerra e dos grandes. Pra começar, foi diretamente responsável pela morte de dezenas de sudaneses, em um ataque a uma indústria farmacêutica em Al Shifa. Defendeu-se alegando que os estadunidenses tinham provas para acreditar que a tal fábrica de remédios se tratava, na verdade, de uma indústria de armas químicas/biológicas. Não era. Com a destruição da fábrica condenou, indiretamente, milhares, quiçá milhões de africanos à morte por malária ou outras doenças curáveis que assolam a região, uma vez que aquela era a única fábrica a produzir remédios a baixo custo para boa parte dos africanos de toda uma vasta região. Só isto basta ou devo citar a desastrosa atuação de Bill na guerra da Bósnia, onde servos e croatas se aniquilavam com ajuda das tropas estadunidenses e da ONU?

Agora seria a vez de falar dos crimes de Bush pai e sua primeira guerra do Golfo e, depois, do finado Reagan com sua brilhante atuação ao fomentar grupos paramilitares para derrubarem governos legítimos e instituírem ditaduras na América Central. Porém, creio não ser mais necessário continuar com essa lista nefasta. O melhor a fazer agora é pararmos e refletir, por fim, no que é real e no que querem nos fazer acreditar que seja real. Se não, como é que deixamos de nos importar com estes crimes que acabo de citar? Como é que, apesar de serem tão claros, não pressionamos para que os culpados fossem punidos? Pior ainda, como é que deixamos que estes fatos fossem sequer divulgados abertamente na mídia como crimes? Não teriam sido os ataques nucleares a Hiroshima e Nagazaki os maiores crimes de guerra da história da humanidade? E o uso indiscriminado de Napalm sobre os vietnamitas, como classificar senão como crime de guerra? É, comparados aos crimes de Saddam, talvez os crimes deste último sejam responsável pela morte de um grupo muito menor de pessoas, embora o corpo balançando na forca tenha sido apenas o dele. Curioso, não?

Outra coisa que muito me intriga é que ter acesso aos fatos reais sobre a política externa estadunidense não é tarefa tão fácil quanto possa parecer. Para chegar a tais informações, é necessário pesquisar em fontes jornalísticas e escritores considerados alternativos e rotulados como duvidosos por grande parte da imprensa oficial. Esta, por sua vez, prefere fechar os olhos e acobertar as atrocidades cometidas pelos estadunidenses. Muito pior que isso, quando um daqueles “ilibados” presidentes morre, normalmente já velhinhos, em suas casas e em decorrência de causas naturais, a tal imprensa oficial não só presta suas últimas homenagens, como também faz questão de louvar os feitos do morto com belos discursos laudatórios. Se você acha que estou exagerando, lembre-se da recente cobertura das mortes de Reagan e Gerald Ford.

Infelizmente, chega-se a conclusão de que é esse tipo de alienação que o governo e as instituições estadunidenses divulgam globo afora para suas agências co-irmãs perpetrarem localmente em seus países. Cabe a cada um tomar uma decisão se quereremos acreditar nestas informações ou não. Eu, particularmente, prefiro confrontá-las enquanto ainda posso. Mas isso requer não só a coragem de ser diferente, mas também, tempo e interesse para buscar informações em outras fontes para formar um senso crítico desalinhado com a tramóia global que tenta nos enganar, escamoteando e deturpando informações. É contra essa informação fácil e previamente mastigada que me posiciono. E, por outro lado, é justamente na facilidade de se obter e reter esta informação que a mídia dita oficial e o poder instituído depositam toda sua confiança para dominarem o mundo. Estes acreditam piamente que as pessoas jamais vão se dispor a buscar informações que não sejam facilmente encontradas e digeridas. Afinal, quem quer perder tempo com isso neste mundo competitivo de hoje, não é?

Por fim, sabemos que existem, de fato, aqueles que, conscientemente, preferem acreditar que a ignorância é uma dádiva e de que é melhor se adequar ao modus operandi deste mundo, tirando proveito dele. Quanto a estes, não tenho uma palavra sequer a dirigir-lhes. Em contrapartida, escrevo este texto para aqueles que, como eu, se incomodam ao serem tratados diariamente como idiotas por uma mídia mentirosa e mancomunada com governos criminosos que querem construir uma imagem de protetores da liberdade e da democracia. É para estes abnegados que escrevo. Mais do que isso, espero que você, meu amigo, faça parte deste time, pois afinal de contas, este texto acabou caindo sob suas vistas.

Roger Beier
Enviado por Roger Beier em 04/01/2007
Reeditado em 05/01/2007
Código do texto: T336407