Você já me viu de cabelo liso?

Eu, que volta e meia faço alarde da minha capacidade de observação, sou incapaz de perceber até as mudanças mais evidentes na aparência de uma mulher. Cabelo, por exemplo. Geralmente demoro até perceber que houve alguma modificação nele. A mulher, que exibe pela primeira vez o novo cabelo, espera que eu comente alguma coisa – ou, antes: quer ouvir um elogio sobre ele. Mas – ai de mim – estou distraído e não percebo nada.

É quando ela se cansa de esperar e começa a insinuar ou – o que é bem comum – perguntar abertamente, a queima-roupa, a sua opinião sobre o novo visual. Na semana passada mesmo, eu ouvi um “Você já tinha me visto de cabelo liso?”. Foi quando eu reparei: ela estava com cabelo liso e – mais do que isso – não era assim que costumava usá-lo. Tentei puxar então pela memória se em alguma outra oportunidade eu já havia visto dessa maneira. Em vão. Não me ocorreu nada. Talvez eu nunca houvesse visto ou talvez eu nunca houvesse observado. De toda forma, fui obrigado a dizer que não, achava que não.

O problema foi que a mulher – que felizmente não era a minha, pois, caso fosse, eu já a teria perdido – não queria saber se eu já havia visto ela de cabelo liso ou não. Isso pouco importava. O que interessava era eu reparar que hoje, hoje sim, ela estava de cabelo liso, e isso era algo tão fora do normal que merecia o meu comentário e, conforme esperava, a minha aprovação.

Infelizmente, não houve elogio da minha parte – e não foi porque não gostasse ou não achasse bonito. Foi apenas porque, nesses casos, não sei exatamente o que dizer. É quando as mulheres, vendo que eu não estou dizendo nada, perguntam se está bonito. Eu concordo, porque eu realmente acho que está bonito. Mas eu diria o mesmo se o cabelo dela não estivesse liso – e seria igualmente verdadeiro. Pra mim os cabelos são sempre bonitos.

Está visto que eu ainda tenho muito a aprender sobre psicologia feminina. Não tenho muita experiência com elas, e menos ainda com seus cabelos. Lembro que a minha primeira paixão – não, corrijo: a primeira paixão que me ofereceu algum retorno – foi uma morena que usava uma mecha loira. Esse detalhe sim, eu percebi, e provavelmente porque não dava para deixar de perceber. E ele a tornava ainda mais bonita, porque eu não conhecia ninguém mais que usasse uma mecha como aquela.

Naquela época eu escrevia poemas – ou melhor, escrevia letras de música, mas sem a música. E eu me lembro de ter escrito muitas delas sobre essa garota, e uma em especial que se chamava, justamente “Mecha Loira”. Não sei dizer o que exatamente eu falava nela – de tudo, ficou apenas a lembrança do nome e da mecha. No ano seguinte, ela deixou o cabelo ficar apenas moreno e, não por causa disso, a paixão chegou ao fim.

É possível que a minha desatenção tenha a ver com o meu próprio cabelo – que não é exatamente a parte do meu corpo que mais tenho cuidado. Às vezes deixo que ele cresça além da conta, e então não sei mais como fazer para ajeitá-lo. Tenho sempre a impressão de deixar ao cabeleireiro um pequeno desafio.

Por outro lado, isso talvez aconteça porque eu ainda não tive uma mulher que me dissesse o que fazer com ele. Acho que talvez falte apenas isso mesmo. Prometo a mim mesmo que, tendo eu a minha mulher, irei reparar em todas as suas sutilezas, e levarei em consideração tudo o que ela tenha a dizer sobre mim.

Agora, daí a descobrir exatamente o que elas querem ouvir ainda é um longo caminho.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 04/12/2011
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