Meu choro copioso


 
 
                        Leio hoje a crônica do fenomenal Jabor. Volta e meia,  ele relembra o dia em que derrubaram o Jango Goulart. Na época, ele bem jovem, 20 anos, segundo ele mesmo conta, fazia parte da UNE, onde os estudantes vibravam com Fidel e a revolução socialista em Cuba,  e aspiravam por  uma república comunista no Brasil.
                        Nos fala do líder dele, um cara com nariz de couve-flor, com uma cor rósea, meio pink.  Gozado que ele olhava para o nariz de couve-flor e pensava: “como é que um cara desses, com esse nariz,  pode liderar uma revolução socialista?”
                        Estou contando isso, meus amigos e amigas, porque no dia em que os militares tomaram o poder,  derrubando  o Jango, com o Gen. Mourão vindo de Minas Gerais e  entrando  com seus tanques triunfalmente no Rio de Janeiro, eu estava justamente passeando de carro na Avenida Atlântica, com aquela que seria a minha primeira esposa. Se não me engano,  foi o dia em que a namorada apareceu de sandálias para que eu visse os pés dela. Aquela minha mania... Assalta-me uma dúvida: o Gen. Mourão  teria vindo de Belo Horizonte ou de Itabirito, terra do Telê Santana?
                        Diz o Jabor que os estudantes de direita, os riquinhos da PUC, incendiaram nesse dia o prédio da UNE, na praia do Flamengo. O nosso querido jornalista saiu da UNE derrotado e fugiu para a sua casa, tendo sido recebido por sua mãe e suas tias, todas a favor da revolução militar. Ele se lembra que sua mãe ainda lhe deu uma imagem da Santa Terezinha e um bolo de milho. Estavam todos salvos...
                        Vou tecendo essas lembranças,  para dizer que, nesse dia,  foi que tive o  maior choro da minha vida, um choro sentido, pois na minha ingenuidade, no fim  da adolescência,  acreditava piamente no socialismo. E a minha preocupação primordial era com a pobreza.  O meu sonho sempre foi esse: acabar, definitivamente, com a pobreza. Via claramente que um mundo que permite uma crescente pobreza de seus cidadãos  não pode ser um mundo bom, um mundo feliz. Para meu espanto, na minha maturidade, descubro também a pobreza espiritual...
                        Também  tinha o meu líder socialista, na repartição em que começava a trabalhar como datilógrafo.  O meu líder era o Caio, com um nariz bem pequeno, mas usava um bigode igual ao do Stalin. Aquele bigode tipo Olívio Dutra.
                        Mas como eu ia dizendo, a minha lembrança é nítida. O dia, na verdade,  era primeiro de abril (e não 31 de março, como muitos pensam). No meu passeio de carro, sonhando com a vitória final do Jango, de repente, vejo espocar muitos fogos das janelas dos edifícios da Avenida Atlântica. Fiquei sem entender nada. Não era dia de jogo do Flamengo. Logo em seguida, a Avenida se enche de carros,  cheios de jovens, alguns nos capôs, segurando a bandeira nacional e gritando: “fora o comunismo, fora o comunismo”.       
            Depois de uns minutos de perplexidade, encaro a realidade: Jango tinha caído e fugido para o Uruguai. Ligo o rádio do carro e ouço o Brizola,  aos berros,  pedindo ao povo que reagisse aos militares. Mas o povo que saía às ruas era o de Copacabana e os estudantes da PUC. Não via nenhuma reação. Estava me aproximando do Leme, estaciono na calçada da praia, atônito, vendo que mais uma vez os pobres tinham perdido mais uma chance. Começo a chorar,  no volante. Os pés da namorada não tinham mais a menor importância. Tenho um  choro convulsivo, soluçante, que durou muitos, muitos  minutos... Chorava, não pela revolução dos homens, seja de direita ou esquerda, que nunca resolveu nada.  Meu choro, sincero, era pelos marginalizados.   E esse choro,  nestes novos tempos de frieza tecnológica, desconfio,  não existe mais...