Pisar em Rastro de Corno

Costumava brincar com alguns amigos usando a expressão “hoje pisei em rastro de corno” para quem não sabe, o dito serve para definir aqueles dias em que a bruxa tá solta pro teu lado, aliás, ela, o gato, as amigas, a mãe dela... Aquele diazinho em que nada dá certo e você deita no fim da noite pedindo a Deus, aos anjos e santos a proteção para que haja uma boa noite de sono. Mas ainda assim, parte da noite pertence à insônia e quando finalmente dorme, vem os pesadelos... Mas aí já é outra história.

O dia em que você “pisa em rastro de corno” não se acaba. Você acorda ás 7:30 – ótimo não é? – Não! Pois você deveria ter acordado às 5:30 e a este horário deveria estar fazendo um teste na auto-escola. Abre a janela, chuva. Corre pro banheiro, liga o chuveiro, nada. Sair sem tomar banho está fora de cogitação, ao menos que... Sai pra fora e desfruta de um gelado banho matinal proporcionado gratuitamente pela natureza. Já entra em casa espirrando.

O carro está na oficina. Procura um guarda-chuva por toda casa, faz uma baita bagunça e o encontra, na casa do cachorro! Todo babado e para completar... Não abre. Vai embora em meio aquele aguaceiro. Dobra a esquina no momento em que o ônibus ia saindo. O primeiro você perdeu. O segundo também, pois a névoa impediu que o motorista te visse acenando. Quarenta minutos depois você entra num ônibus e ele segue na direção contrária a que você planejava ir. É, pegou o ônibus errado! Pensa em esperar o temporal passar ali mesmo. Indo para qualquer lugar. Mas ai você lembra que tinha consulta marcada no ginecologista às 10:30, isso se saísse a tempo da auto-escola. A auto-escola? Oh, não!

Decide parar e tomar um lanche na primeira padaria que fosse possível. Pede panqueca, te servem esfirra – e você não gosta de esfirra – mas come e eles te cobram uma fortuna, e você paga. Depois disso pensa em ligar pra clínica para adiantar o horário da visita. Tenta, tenta, tenta, tenta mais uma vez (o sinal da operadora não colabora). Depois de doze tentativas a porcaria do telefone funciona. Chama, chama, cai na caixa postal. E você sai dali irritadíssima, com a voz daquela atendente eletrônica na cabeça lhe dizendo o tempo todo: “sua chamada está sendo encaminhada para caixa...”, da vontade de mandar ela ir pra caixa... prego.

Mas tudo isso fica pequeno quando você se dá conta de que não sabe onde está. Olha pro relógio que marca 7:30 – droga, tá parado! Agora além de não ter noção de espaço também não tem do tempo. Atira o relógio para o primeiro pedinte que lhe cruza o caminho. Três horas depois – a chuva já havia dada uma trégua – lá está você no consultório. “Infelizmente, teremos que adiar sua consulta, o Dr. Fonseca não pode comparecer à clínica hoje, sua querida sogra enfartou”. Isso foi aquela secretária com cara de homem que falou. Agora é sua vez de enfartar. Ia falar um palavrão na saída, mas mordeu a língua, sangrou.

Liga pra amiga, ela tá lendo “Sabrina” e não te atende. Pega um táxi pra casa dela, ele quebra no caminho. Chega no prédio toda suada, depois de ter subido aquela ladeira toda à pé. E de quebra, o elevador está em manutenção. Na escada esbarra com uma criança: “eca! Essa tia é preguenta!” imagina se ela tem esbarrado no 26º andar, a tua amiga tinha mesmo que morar tão alto assim? Porque não alugou o Pico do Everest?

Você está morta, e ainda são três horas da tarde. Agora você já sabe a hora – é que tava acabando o vale a pena ver de novo, e mais uma vez você perdeu a novela! Tua amiga te indica um pai de santo, mas você queria mesmo era sua mãe. Mas enfim, acalmam-se os ânimos, quem sabe daqui há pouco tempo ela já tem te deixado em casa. E foi, preocupada com os seus 39° de febre. Dorme um pouco e acorda toda dolorida. Mal tem força para levantar-se e ir até a cozinha fazer um chá. Quando finalmente executa essa façanha, o gás acaba.

Tudo acaba. O gás, a água, a tua paciência, menos este dia que parece que o mundo resolveu te castigar por tudo que você fez na vida incluindo delitos das encarnações passadas. Só te resta tomar um analgésico, cobrir a cabeça e fingir que está tudo bem. Mas cadê os analgésicos? Depois disso você vai pro quarto tendo a certeza que não precisa deles, precisa é de um calmante tarja-preta. Sossega-leão, injeção letal. Tem dúvidas.

Thuca kércia
Enviado por Thuca kércia em 15/12/2011
Reeditado em 15/12/2011
Código do texto: T3389976