BANHO DE CHUVA

Quando eu era criança encantava-me ver a água correr célere depois de uma chuvarada, por uma pequena ladeira existente bem defronte a porta da minha casa.

A chuva transformava a minha rua, antes poeirenta, num lamaçal escorregadio e quase intransponível. Por ali transitavam inúmeras pessoas vindas e indo para o centro da cidade e, a maioria escorregava na lama e caía, fazendo a minha alegria e dos meus amigos, plateia afoita que sentada à beira da rua, ficava a espera dos tombos dos incautos.

A chuva deixava poças, onde o céu se refletia, e as nuvens passeando rápidas pelo espelho encantado da poça de água, fascinavam o eu menino.

É sabido que, ninguém dá importância a uma poça de água. Só se presta atenção a ela, para evitar molhar os pés, ou sujar os sapatos; mas, não é bem assim. As crianças bem pequenas, sim, lhes dão importância, - são fascinadas por elas - e, embora as mães as previnam de não pisarem nelas, elas não as ouvem, e fazem questão de meterem o pezinho exatamente dentro da poça e com força; espirrando água suja por todos os lados. De propósito. Eu e os meus amigos fazíamos filas e marchávamos como soldadinhos pisando firmes nas poças de águas. Ficávamos totalmente enlameados, mas, isso não contava; contava sim, a felicidade que sentíamos.

Divertia-me, também, juntamente com o meu irmão e alguns amigos, em represar a água da enxurrada, fazendo diques de barro, lutando contra a corredeira, para detê-la por curto tempo. Colocando barquinhos de papel, brincando de por limites às águas, e eufórico por controlar impulsos desordenados, opondo-lhes lei e regra.

Ah! Ia me esquecendo do melhor, o banho de chuva.

Meu Deus! Como era bom!

Havia também, onde hoje se encontra um nobre bairro, uma lagoa cuja água estava sempre arrepiada de emoção pela brisa da tarde que passava, e que a fazia chegar em ondazinhas curtas junto aos barrancos abruptos dos outeiros, num azul imenso espelhando o céu.

Gosto de recordar os dias chuvosos ou de inverno, quando as nuvens e a neblina vinham esparzir seu véu cinzento de mistério rente às águas. Quando o vento soprava e arrepiava num frêmito amoroso as águas beijadas da lagoa, formando ondas pequeninas e ligeiras, rebrilhantes à luz do sol poente na calma das tardes. Quando juntamente com meus amigos contemplávamos aquelas águas calmas e azuis, cujo espírito repousava naquele suave e rebrilhante estremecer das águas.

Hoje, bem sei, são novos tempos; tentar viver como naqueles dias torna-se utópico. Existe o perigo iminente.

Vejo meus filhos brincando apenas com videogames e ou computador. Raramente podem brincar na rua; não jogam futebol; não soltam pipas e nunca fizeram barquinhos de papel para soltar na enxurrada; banho de chuva então, nem pensar, a mãe, com razão, não permite devido à violência que impera nas ruas. Ficam reclusos em casa; é mais seguro.