"LÁGRIMAS E ORQUÍDEAS"

Faltavam poucos dias para o Natal,quando resolvi aproveitando os poucos dias que ainda restavam das minhas férias, fazer uma visita a uma pessoa amiga que fez parte da minha infância. Dona Maria Clara, já devia estar perto dos seus 90 anos, senhora muito distinta, com um coração nobre e cheio de sabedoria, era uma mulher de muitas posses e depois que ficou viúva, conseguiu ainda mais multiplicar seus bens, mas sua simplicidade era uma de suas principais qualidades. Possuía uma bela fazenda de gado,bem próxima da que eu morava, tinha muitos netos quase da mesma idade minha e de meus irmãos. Gostava de crianças e de ver a casa cheia delas, dizia que a algazarra das crianças, era música para seus ouvidos.

Já fazia tempo que estava adiando esta visita, sempre falava com ela por telefone, e sempre ouvia com insistência, que fosse visitá-la na fazenda. Quando soube que seu estado de saúde não era bom, resolvi imediatamente atender seu pedido.

Cheguei à bela fazenda no inicio da tarde naquele dia quente de verão, tudo parecia ainda mais lindo, o casarão em que Dona Maria Clara morava a tantos anos, estava bem conservado a ainda mais encantador. Ao falar com sua empregada, uma moça simpática e de boa aparência, recebi a frustrante noticia de que tinha ido a uma consulta médica, mas que não ia se demorar. Propus-me a esperar e recusando o gentil convite para entrar na casa, segui para o jardim. Sabia exatamente o caminho desse pedaço do paraíso, pois, boa parte de minha infância passei por entre essas flores e árvores. Logo na entrada deparei-me com os pés de Flamboyant, minha árvore preferida, que eu gosto muito porque tem a cor do Natal, com o verde-vermelho num contraste perfeito, algumas delas que ali estavam eu mesma ajudei a plantar. Um pouco mais adiante a estrondosa mangueira, onde brincávamos no balanço de correntes grossas, que um dia ao cair dele fraturei o pé e passei o resto das férias escolares pulando num pé só. Ainda pude observar um pedaço da corrente presa ao mais alto galho, foi o que restou daquele divertido brinquedo.

Desci as escadas que levavam ao orquidário, parei à porta e fiquei absorta, admirando tanta beleza. Quando era criança aquele lugar sempre foi o meu preferido, adorava brincar por ali, gostava de ver as orquídeas floridas, gostava da beleza delas e do perfume que exalavam. Lembrei-me do quanto ficava feliz, quando Dona Maria Clara me chamava, para ver uma orquídea que acabava de florir e dizia para eu sentir o perfume dela. Agora ele estava ainda mais esplendoroso muito maior que antes, tinham varias espécies de todas as cores e formas, uma centena delas, era de encher os olhos tamanha beleza. Fui entrando aos poucos, tentando olhar cada uma delas. Quando cheguei ao meio do orquidário deparei-me com o velho banco, onde sentávamos. Eu sempre ao lado de Dona Maria Clara, para ouvir dela as mais divertidas histórias, ficava maravilhada com o desfecho de cada uma delas, imaginando os personagens e muitas vezes sonhando em ser como um deles. Depois saímos correndo por entre os vasos, quase sempre derrubando algum e arrumando uma desculpa para dar a ela, que com um sorriso dizia que não tinha importância. Perto do banco havia uma fonte de água, dessas artificiais, que só aumentava a beleza e o encanto daquele lugar, sentei-me e continuei envolvida em meus pensamentos, relembrando a minha doce infância. Fui trazendo a mente às pessoas que fizeram parte dela, senti uma saudade imensa do colo de minha mãe e do abraço de meu pai, e por um momento pude ouvir o assobio dele, era o sinal de que tinha vindo nos buscar, então sobre protestos ia choramingando ao seu encontro. Recordei os almoços de domingo, os muitos Natais em família, o dia a dia na fazenda, a rotina boa e divertida. Então me dei conta que os únicos problemas que eu tinha naquela época eram os de matemática, que acabava resolvendo com a ajuda da professora. Sim, tive uma infância muito feliz.

As lágrimas iam brotando e escorrendo por minha face. Na infância coisa que eu mais tinha, eram tempo e sossego. Vida boa, vida mansa. Agora não tenho tempo nem pra comer uma fruta, que antes eram experimentadas ali mesmo, no pé.

Me dei conta, que havia deixado tantos planos pra trás. Sonhei com tantas coisas e realizei tão poucas. Disse tantos sim, querendo dizer não e vice-versa. Vivia sempre ocupada, trabalhando muito, me divertindo pouco. Fazia quase sempre o que não era da minha vontade, só para agradar a pessoas que não mereciam tantos sacrifícios. Chorei por mim, chorei por não poder realizar sonhos e planos, por não viver minha vida da maneira que gostaria e por saber que nem um grande amor seria capaz de viver, por falta de atitudes, por não ter coragem de sair da minha mesmice. Chorei de saudades do passado, chorei pelas frustrações do presente, chorei pelas incertezas do futuro. O ano estava acabando outro se iniciaria e a minha vida continuaria sem novidades, sem novas perspectivas e principalmente sem aquele amor.

Percebi que estava chorando compulsivamente e que estava ali a mais de uma hora, por mim ficaria pelo resto da vida, mas a ficha caiu, e sabia que não podia deixar que Dona Maria Clara me visse naquele estado, então tentei me recompor, lavei o rosto ali mesmo na fonte, retoquei a maquiagem, arrumei os cabelos que estavam desalinhados. Respirei fundo e fui aos poucos deixando aquele lugar. Depois de alguns passos olhei para porta de entrada e vi Dona Maria Clara, estava abatida, mas conservava aquele belo e encantador sorriso. Abriu os braços e continuou sorrindo a espera de meu abraço. Corri ao seu encontro e deixe-me envolver por seus braços e então como uma menina, de novo comecei a chorar.

Rosana de Pádua
Enviado por Rosana de Pádua em 12/01/2012
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