Parece que foi ontem, aquele jogo de handebol 

Aconteceu quando estávamos na oitava série do antigo primeiro grau. A professora de Educação, física recém chegada na escola, queria colocar o povo para praticar esportes, então organizou um campeonato esportivo interclasses.

A participação nos jogos valia pontos em todas as matérias. Algumas alunas de minha turma conseguiram escapulir trazendo atestado médico.Não pude fugir, estava com nota baixa em matemática. Não jogava bem em nenhuma posição, mas após muito treino e por absoluta falta de jogadoras, eu fui escalada como goleira titular do time de Handebol da General Carneiro, ainda como último argumento eu falei:

—Eu não posso jogar, meu pai não deixa vestir esse uniforme e ficar com as pernas de fora...
—Arrumamos uma roupa de goleira com calça comprida pra você...
Falou a professora, derrubando por terra minha última tentativa de me esquivar.


O terror dos times adversários era a artilheira Marleninha da Aparecida Faustina. Se fosse hoje, ela teria garantido seu lugar num time profissional, pois era realmente muito boa jogadora. Por ironia do destino houve o sorteio e não é que nosso primeiro jogo era contra o time dela?
Apavoradas e temendo perder de goleada e ser motivo de gozação na cidade inteira, nosso time se reuniu a fim de discutir uma tática. Não sei exatamente de quem foi a ideia, mas alguém sugeriu apelar para o sobrenatural...

—Que tal a gente fazer uma promessa?
—Não sabemos qual santo é protetor das jogadoras desesperadas.
—Se não me falha a memória
, Marcinha, que era a mais mística de todas sugeriu:
—Vamos pedir para as almas.
Maria Ágda sempre muito prática deu sua opinião:
—Acho melhor a gente treinar mais.
Renata e Graça também apoiaram a ideia de
mais horas de treino. Cátia Delfino, Marcinha e eu pendíamos para o lado de ganhar o jogo sem fazer muito esforço.
—Minha vó fazia promessa para as almas,quando sumia algum bicho lá na roça.—falei.
—Dava certo? —Perguntaram em coro.
—Achava o bicho vivo ou morto, mas meu avô não gostava disso, ele dizia que as almas precisam de descanso e não devemos pedir nada a elas.

Houve empate, Três queriam mais treino e três queriam o modo mais fácil. Marli, uma das jogadoras que até ali tinha se mantido em silêncio apoiou a ideia menos cansativa. Num clima de insegurança e medo, ficou decidido por votação, faríamos uma visita ao cemitério da cidade, local que na nossa imaginação de adolescentes, era a casa das almas. Íamos todas pedir a intervenção das mesmas no jogo de handebol.

Na sexta feira anterior ao jogo, por volta das 18 horas, todo nosso time estava no Alto da Colina, às portas do cemitério com velas e flores, oferendas em troca da vitória. Sete meninas sem noção, fazendo pacto com as almas para ganhar um jogo. Espalhávamos os pedidos nos túmulos e a cada pedido era colocado uma vela e uma flor. Faltavam ainda muitos túmulos quando começou a trovejar e o céu escureceu, a chuva estava pendurada na serra. Apressamos o passo e descemos a rua, cada uma fazendo sua oração.

Quem estiver lendo o texto certamente está curioso com o resultado do jogo. Foi a pior derrota que um time de handebol escolar já sofreu. Perdemos de trinta a zero. Eu não consegui defender nenhum gol e as atacantes não fizeram nenhum, a Marleninha nesse dia estava terrível, pareciam que todos as almas estavam ajudando-a a arremessar a bola na rede.

O time masculino de futebol de salão da oitava série saiu vitorioso em todos os jogos, levou todas as taças. Por insistência dos meninos e da professora nós tiramos essa foto.

Nota: Alguns dos colegas da foto não vejo a muitos anos, se mudaram da cidade, outros moram aqui ainda. O primeiro e o terceiro da esquerda para a direita são: Ailton e o Alcides, que partiram desta vida ainda muito jovens deixando saudades e boas lembranças no coração de todos nós.

A  foto é de autoria do Antonio do Chico. Foi o  fotógrafo da cidade por décadas. Excelente profissional, que quando se aposentou e fechou seu studio A, deixou uma lacuna nesta área, aqui na região.


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Maria Mineira
Enviado por Maria Mineira em 23/01/2012
Reeditado em 23/01/2012
Código do texto: T3456615
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