Pedagogia do Respeito: a opressão no cotidiano

Muito provavelmente, não vou dizer “com certeza” porque certezas não existem para o pensamento científico, alguém já chegou para você e em um tom de voz desaprovador ou arrogante vociferou: que roupa é essa que você veste? Mas que cabelo é este? Como é que você come essa comida? Você não sabe vestir! É ridícula a sua roupa! A mensagem verdadeira que essa pessoa quer passar para você é: seja igual a mim! Se vista como eu me visto. Coma o que eu gosto de comer. Sobretudo, eu quero te dominar, quero transmitir para você meus pensamentos e minha cultura!

Por que as pessoas agem assim? Há uma sinergia do atávico e do cultural. Todo ser vivo busca transmitir os seus genes para perpetuar-se enquanto espécie. Nós animais ditos “racionais” temos uma diferença fundamental em relação aos outros seres vivos: nós somos seres históricos, somos seres produtores de cultura. Daí nós nos diferenciamos. Para nos “perpetuarmos” - ou sermos “imortais” - queremos transmitir não apenas os nossos genes, mas também a nossa cultura. Assim, sobreviveremos no outro que, para tanto, precisa ser dominado, invadido, anulado.

Dessa forma criam-se na teia do cotidiano, relações humanas de opressão do outro, de anulação do outro. Michel Foucault vislumbra essa dimensão no que ele chamou de “Microfísica do Poder”. As pessoas procuram dominar as outras nas suas relações cotidianas. Reforça-se o “estranhamento”, ou seja, rejeita-se e, no extremo, busca-se aniquilar aquilo que é diferente ou desconhecido. Quando a relação diz respeito a grupos sociais ou mesmo sociedades distintas, ocorrem lutas e extermínios. Assim buscam-se impor ao outro o que ele não é, seja na relação Pais X Filhos, Professores X Alunos, Maridos X Esposas, e em toda a estrutura social. Com isso as pessoas não são felizes. Ninguém pode ser Feliz aniquilando-se, sem a pessoa poder ser ela mesma, atendendo apenas ao desejo e vontade do outro.

Nesse sentido, temos uma sociedade de escravos, de pessoas que adoecem por viverem em permanente stress, pessoas com feridas emocionais que infeccionam em neuroses e até psicoses. Há pessoas, por exemplo, que no Domingo à noite adoecem, é a chamada “Síndrome da Segunda-feira”, é um quadro emocional de somatização da tensão ou do medo do ambiente que vai encontrar no trabalho do dia seguinte. Pode caracterizar-se por uma variedade de sintomas tais como: dores de cabeça, problemas intestinais, azia, tonturas, febre, entre outros. Como também há pessoas que vivem apresentando esses sintomas e ao afastar-se por um determinado período de tempo do seu ambiente, seja de trabalho ou familiar, ficam “curadas”.

A partir daí compreendemos que existem determinadas instituições (podem ser empresas, famílias, igrejas, sindicatos, escolas, etc.) que adoecem as pessoas. São instituições com relações neuróticas e neurotizantes. Desenvolvem relações cotidianas de opressão e desrespeito. Não valorizam as pessoas que se sentem intimidadas, agredidas, humilhadas e vivem sem qualidade de vida por terem de suportar viver ou mesmo, sobreviver no seu interior.

Esse fenômeno caracteriza-se pela absoluta falta de respeito às pessoas. Precisamos criar e desenvolver uma “Pedagogia do Respeito” vislumbrando todas as possibilidades de vida e de viver. Respeitar as pessoas pelo que elas são não quer dizer anular-se, mas, assegurar ao outro a possibilidade de pensar e SER diferente do que eu penso e sou. Valorizar cada diferença como possibilidade de crescimento e de encontro. Aprender a respeitar e crescer com a diversidade cultural e social.

Há dezenas de formas de respeitar. Em um olhar básico é preciso ensinar e cultivar cotidianamente o respeito de um cumprimento cordial. O respeito de pedir licença. O respeito de ouvir. O respeito da solidariedade. O respeito de ceder um lugar. O respeito de amparar quem está caindo e estender a mão a quem chegou ao chão.

Além dessa dimensão, em um olhar mais amplo a Pedagogia do Respeito precisa inspirar gestões democráticas. Respeito à natureza e ao planeta. Respeito a todos as religiões e crenças. Respeito aos Direitos básicos da cidadania. Respeito aos Direitos Universais promulgados desde o século XVIII.

Voltaire, Iluminista também do século XVIII, no seu “Tratado da Tolerância” pensou o conceito de democracia na perspectiva da Modernidade. Essa democracia estaria viva no profundo respeito às pessoas. Discordar sim, até mesmo profundamente, mas respeitar eternamente e ternamente.

Sei que antes de fechar meus olhos na escuridão gélida da decomposição, ainda não verei esse Pensamento materializar-se. No entanto, desejo e espero esperançosamente que ao invés de um possível extermínio da humanidade por si mesma, existirá uma sociedade alicerçada no profundo respeito.

Numa Pedagogia do Respeito vamos ensinar e aprender a não sermos nem Senhores e nem Escravos. Sejamos livres e libertários.

 


Deixe seu comentário (Texto e comentários abaixo publicados no Portal Paraíba Já onde Dimas Lucena tem uma coluna).

 

Comentários

  • 2010/07/05 às 17:09  -

    Laís Lucena de Oliveira

    Filho querido não tenho instrução nem palavras para te dizer, quão bacana são os teus arquivos. Só posso dizer,que belo!Peço ao DIVINO ESPÍRITO que te dê cada vez mais sabedoria,além da que já tens. Com muito carinho te abraço DEUS te abençõe Tua mãe.

  • 2010/07/04 às 21:40  -

    Geralo Matias de Oliveira

    Excetuando minha condição sentimental em relação a sua pesoa, isto é, minha paternidade; vejo-me obrigado a reconhecer o seu valor intelectual! Como de praxe mais um bom trabalho você produziu, desta vez, enfocando o relacionamento e respeito ao próximo. Tema importanre e oportuno à convivência social; como você frisou nas entrelinhas, a falta de respeito a outra pessoa gera uma porção de males sociais! Infelizmente, é dificílimo a mudança dos gestores desses males,porque veem de pessoas mal formadas e,ou complexadas, onde existe a dificuldade enorme de mudança. Contudo, há esperança de que a Educação em todos os níveis: doméstica, religiosa e das letras, sejam um remédio salutar a esses males! Já nos ordenou o Divino Mestre: "Eu vos dou um Mandamento Novo - que vos ameis uns aos outro como Eu vos amei!

  • 2010/07/04 às 17:56  -

    Çivirino

    O artigo, entre outros aspectos, destaca o valor e o respeito à diversidade em seus múltiplos campos de manifestação. Defende a tolerância à maneira de ver, sentir e de reagir peculiar de cada pessoa que em síntese reflete o temperamento e a sensibilidade que faz com que um indivíduo sinta de modo especial e muito particular, a influência dos diversos agentes. Na verdade, não deveria nem está comentando este artigo porque como se diz informalmente, esta não é minha praia, dada a minha formação técnica de engenheiro-economista uma área que muitos cientistas sociais torcem o nariz dado a sua fama de ser, digamos cartesiana. Porém, essa questão de respeitar a individualidade nos diferentes processos de escolha é levada bastante a sério pela Teoria Econômica por meio do que se denomina de preferências do consumidor. Em síntese, são curvas, em geral convexas e próprias de cada individuo, representando as diferentes cestas de consumo que proporcionam ao agente o mesmo nível de satisfação. Com base nessas curvas e outras definições são resolvidos praticamente todos os problemas de otimização do consumidor no que tange ao emprego de sua renda limitada para adquirir bens e serviços e também para exercer as chamadas escolhas sociais. Quando as preferências do consumidor são ignoradas o sistema econômico sofre uma deformação e surge, por exemplo, anomalias como as chamadas economias de comando. É o caso da Coréia do Norte, uma ditadura totalitarista stalinista onde o presidente Kim Jong-il se acha no direito de “escolher por todos” e assim decide o que a população deve comer, vestir e até o que pode assistir na televisão. Isto ocorreu recentemente no jogo com o Brasil que somente foi franqueado à população após ser constatado o gol da Coréia do Norte. Porém, animado com esse magro resultado o ditador então permitiu que a peleja seguinte contra Portugal fosse liberada ao vivo para o povão. Foi aí que finalmente quebrou a cara, pois tomou de 7x0.

  • 2010/07/02 às 17:45  -

    Dilma

    REspeito é uma atitude fácil se buscada constantemente, como diz Dimas resultado da busca do diferente como possibilidade de aprendizado e de encontro. Talvez respeitar a si mesmo, paradoxalmente, pode ser o início. Comecemos pois, como diz Dimas, enquanto temos carne e osso. Abraços Dilma

  • 2010/06/30 às 15:55  -

    Ardson Pimentel

    Isso, Prof. Dimas, as relações interpessoais, carecem de mútuo respeito para fácil convivência, com o fim de evitar desgastes. Viva a tolerância e o respeito. Ótimo artigo, parabéns. abraços.