UM RASANTE VOO, PORÉM SEM QUERER

Nos dias em que fazia meu curso de piloto, tive algumas aulas aventureiras. Numa delas, meu instrutor, haja visto saber de meus ideais em ser piloto de agronomia, instruiu-me a fazer vôos rasantes. Nas primeiras aulas ele esteve presente, mas depois deixou-me só aos comandos; evidentemente eu já adquirira certa prática, contudo não o suficiente para abusar dos controles.

Foi assim que numa de minhas aulas, depois de decolar metodicamente, sob os olhares do meu professor que abanava-me as mãos, adquiri altura. Minha meta seria uma lavoura de cana pelos lados de Serrana. Eu deveria fazer espécies de acrobacias leves, quase planas, seguir em linha horizontal sobre o canavial como se estivesse pulverizando-o com inseticidas. Era a primeira vez que estava só aos comandos nessa espécie de treino; num cesninha monomotor, embora novo, mas a gente sempre desconfiava, pois dizem que tendo dois motores , temos um, tendo um, tem-se nada; no caso do teço-teco de um só motor, se desse uma pane seria um desastre.

Na carlinga, nervoso como um motorista aspirante, minhas mãos seguravam o volante do manche, enquanto meu pé direito acionava os pedais das aletas traseiras. O altímetro marcava seiscentos metros, a rodovia Anhanguera lá em baixo parecia um campo de pouso cheio de impedimentos, eram os diversos veículos que nela trafegavam. Pelo rádio meu instrutor perguntava se estava tudo bem. Os canaviais a cerca de cinco quilômetros após cruzar a rodovia se apresentavam como uma planície verde. Lá eu deveria voar quase rente às folhas das canas. Fiz a descida cuidadosamente, vendo o altímetro diminuir rapidamente a distancia entre aeronave e o solo, até que marcou vinte metros de altura, planei dentro das instruções recebidas, segui horizontalmente por dois quilômetros, nervoso, com algumas variações do ar atingindo o corpo da nave, que em dado momento pareceu desobedecer os comandos, sendo que em tal pondo eu deveria subir uns cem metros e fazer uma curva à direita. Creio que um grande vácuo foi a causa do apuro que passei: ao invés da nave subir, desceu sobre as canas ficando a cerca de um metro e meio do solo, roçando as pontas das plantas por cerca de uns duzentos metros; a valência é que os controles de estabilidade de altura permaneceram nivelados, pude sair do apuro com leves toques para ascensão, deixando o canavial com um corredor de pontas de canas picotados pelas hélices e asas do bom cesninha. Mais um metro e eu teria mergulhado no canavial. Comuniquei com o professor que informou-me realmente haver muito perigo nos vôos rasantes para pulverização, haja visto a presença de irregularidades atmosféricas causadoras de rarefação ou vendavais ao nível solo.

As lembranças daquele aperto que passei ao pilotar ficaram contidas em meu subconsciente, como uma forma de carimbo que nunca me esqueço.

Meu primeiro vôo rasante ficou registrado em minhas planilhas de vôos instrutivos como uma espécie de aventura, haja visto minha sorte em sair daquele apuro. Mesmo tendo aquela lembrança, depois de brevetado efetuei muitas pulverizações nos canaviais de nossa região, sempre voando baixo, como faço até hoje, porém na filosofia da vida.