Batom vermelho e esmalte azul
 
A primeira coisa que ela fez foi implicar com o meu batom vermelho.  Confesso, batom vermelho não combina com o tom de minha pele e eu não o uso. Mas eu tenho um batom vermelho e resolvi acabar com ele. Só que geralmente eu o misturo com outro de forma que consigo tons diversificados. Nem me lembro o que respondi, mas me lembro do que pensei e não falei: essa sua roupa amarela e roxa também está meio chocante. Ai ela quis saber onde eu estava indo com aquele batom vermelho. Eu lhe disse que iria à casa de nossa cunhada Jane, mãe do Alexandre, o nosso sobrinho duplamente assassinado. Ela quis ir junto e achei ótimo. Eu precisava muito falar sobre o Xande e foi o que fizemos ali, naquela sala cheia de lembranças, revendo fotos antigas de um menino tão bonito e amado que um dia se desviou do caminho que pensávamos, pudesse ser o seu. Quando amigos da família chegaram, nos despedimos porque também já era tarde. Foi então que minha sobrinha disse: Venham ver o carro de adolescente dela! Todo foram ver o meu verdinho, que em minha opinião nada tem de carro de adolescente já que acho que foi criado exatamente para mim. Pegando o gancho da brincadeira perguntei: E você já viu o meu esmalte?  A sobrinha respondeu rindo que sim, azul claro nas mãos e azul escuro nos pés.

Pois é, passei a semana inteira com essa combinação de esmaltes e ninguém, absolutamente ninguém disse nada, como se fosse comum uma mulher madura como eu usar essas extravagâncias. E o que isso significa? Que todo mundo achou muito esquisito, mas ninguém teve coragem de tocar no assunto. 

Foi um presente. No dia de Natal, almoço em casa de minha irmã, essa mesma que se intrigou com meu batom vermelho. Distribuição de presentes, o meu amigo oculto, marido dela, me deu uma coleção de esmaltes coloridos, da linha Dogs da Risqué. É claro, foi a mulher dele, essa mesma que implicou com o meu batom vermelho, quem teve a idéia, comprou, embrulhou e deu para ele me dar. Tudo porque agora eu também virei mãe de cachorros. Pensei: O que será que ela pensou quando resolveu fazer essa brincadeira? Que eu apenas haveria de enfileirálos no armarinho do banheiro e me dedicar a uma mera contemplação? Se bem que a coleção inteira seja linda e ver os vidrinhos lado a lado já seria um prazer, eu nunca perderia essa oportunidade de brincar com as cores.
 

Isso me fez lembrar do Clube do Chapéu Vermelho um clube de mulheres ousadas com mais de 50 anos, que se uniram para curtir a vida e transformaram essa curtição em uma forma de ganhar dinheiro se divertindo. A inspiração para a criação desse grupo veio de um poema escrito por Jenny Joseph em tradução bem livre:
 
 Quando eu for velha, vou me vestir de roxo com um chapéu vermelho que não combina e nem me deixa bem.
Quero gastar minha aposentadoria em vinho, lenços de seda e incensos de alecrim, e dizer que não temos o dinheiro da manteiga.
Sentar-me no chão quando estiver cansada, devorar amostras nas lojas e apertar campainhas.

Raspar minha bengala pelas grades das ruas, para compensar a sobriedade da minha juventude
Sair de chinelos na chuva, colher flores em jardins alheios e aprenderei a cuspir no chão.

Poder usar blusas medonhas e deixar-me engordar, e comer dois quilos de chocolates de uma só vez, ou apenas bolachas por uma semana. Estocar anéis, colares e coisas em caixas.
Mas por ora, devemos ter roupas que nos mantenham secas, pagar nosso aluguel e não xingar pelas ruas. Dando bom exemplo para as crianças. Temos de convidar amigos para o almoço e ler os jornais.

Mas e se eu puder ir praticando um pouco agorinha mesmo? Para quem me conhece não fique chocado ou surpreso quando eu de repente, for velha
e passar a usar roxo. ”