MOGINHO

M O G I N H O

O nome mesmo era Hermógenes, mas parece que foi ficando muito pesado pra ele e a-cabou virando Moginho. É que Moginho, esticado - se esticar pudesse, pois era corcunda – não passava de metro e meio.

Na cinta, de um lado, a inseparável bolsinha de guardar óculos. Um na cara, outro na bolsa. Paciência era com ele mesmo. Tinha uma jardineira - daquelas que tinham uns frisos de madeira por fora, formando uns quadrados, ou retângulos, não me lembro bem - que fazia a linha Ibitira-Bom Despacho, ida e volta, diariamente. Quando Deus queria, naturalmente. Nas porteiras das fazendas, quantas e quantas vezes tinha que esperar quinze, vinte minutos, até que o passageiro acabasse de tomar seu banho e calçasse as botinas novas e chiadeiras, im-portadas lá do Cercado, hoje Nova Serrana.

Um moleque o parava no curral, pedia a bênção e falava:

- O pai vai co’ sinhor, t’acabano de lavá. . .

Moginho desligava o motor, ajeitava o travesseiro embaixo da bunda, virava-se para trás, batia um papinho com os passageiros, chamando-os todos pelo nome ou apelido. Às ve-zes aproveitava para descer, esticar o corpo, ou melhor, as pernas, e dar uma olhada nos pneus. Esperava tranqüilo, até que surgia o fazendeiro ajeitando as fraldas da camisa, e os em-pregados, com sacos de polvilho, pés de mandioca, capangas de ovos empalhados, varal de frangos, latas de doce ou até mesmo um leitão vivo, amarrado com embiras de bananeiras. Es-perava que o passageiro conversasse com todo mundo, pedindo notícias da família de cada um, se despedisse dos que ficavam, dando recomendações sobre as obrigações durante sua ausência, e se ajeitasse no banco. Só então arrancava.

E as encomendas? Os recados. . .

- Tráiz pra mim dois litro de cuáio, um remédio pra sarna, um vidro de bicabornato. . . tá iscrito aí, pra num isquecê. E avisa pro cumpade Bastião do Manezinho qui a vaca dele pariu u’a bizerra fêma danad’iboa. Sant’Antóin qui ti proteja, Moginho. Vai com Deus. . .

- Fala co’a cumade Zita do cumpade Dima qui aqui tá tudo bão. Nóis vai lá daqui uns dia, dispois qui acabá a labuta da fazeção de farinha. E esse franguinho é pra ela cumê no du-mingo, c’os minino mais o cumpade Berto. Cum Deus, Moginho!. . .

- Um remédio pra incáio. Cristel, não, qui é pro Quinzinho, e ele não aceita essas coisa! Nos’Sinhór das Dor qui te acompanh’, Moginho! Cum Deus. . .

- Leva esses ovo pra vendê pra mim. É só intregá na venda do cumpade Liopordo, nóis tem acerto. E pede ele pra mandá pra mim um doce de goiabada, qui a Barbina tá com desejo e num é tempo de goiaba. Deus te acompanh’, cumpade!. . .

- Avisa lá pro Padre Berchó qui tá todo mundo avisado da missa aqui no Cruzêro, no ôto dumingo. Desse a oito. E pro leilão, fala co’ele qui já tem treze bizerro, duas marrôa, u’a até in-xertada do cumpade Xanico, cinco leitão toró, um pirú do cumpad’Antoin e um pudrinho dis-mamado da cumade Ginoveva, viúva do difunto cumpade Jéso. Cum Deus, cumpade!. . .

E Moginho seguia viagem, com a jardineira cheia de gente, galinhas, porcos, mercado-rias e, logicamente, um punhado de santos e santas recomendados pelos compadres e coma-dres que não viajaram. E assim ia levando sua vidinha tranqüila de celibatário, com paciência e amizade. Afilhados? Só naquelas beiradas de estrada tinha pra mais de quarenta!

Mas um dia Moginho se cansou, que ninguém é de ferro. Vendeu a jardineira, com linha e tudo, pro compadre Alonso. Comprou um caminhão semi-novo. Um studbacker, com para-choque niquelado e buzina a ar. Trabalhava menos, agora, pois raramente aparecia um carreto. Mas tinha umas economias. Dava pra romper. . .

Foi na época em que deu, na região, uma febre de ir pra Goiás. Todo mês saiam quatro, cinco famílias. E apareceu um carreto pro Moginho: levar duas mudanças. E lá foi o Studbacker atafulhado de catres, guarda-louças, caixotes de panelas, cachorros, gatos, papagaios. . .

Correu tudo bem, chegaram ao destino sãos e salvos. Moginho descansou uns dois dias e virou pra trás. Já em Minas, no alto da Serra da Saudade, ou mais precisamente na Curva da Morte, resolveu dar uma paradinha pra ver a paisagem. Desceu, esticou o corpo – como podia, é claro – e foi pra beira da estrada apreciar a beleza lá em baixo. Nisso aparece um carro e qua-se entra na traseira do caminhão. O motorista, nervoso, vendo ali na estrada aquele pingo de gente, ficou valente:

- O senhor é o chofer desta geringonça?

- Quem dera, moço! O Montanha desceu ali pra fazê u’necessidade, mas já vem. . .

E chegando mais perto do barranco, gritou com naturalidade:

- Abrivêia aí, Montanha, qui tem um home quereno falá co’cê. . .

Virou-se para o motorista metido a nervoso:

- Óia, moço, vô dá um consei’ pru sinhor. . . Vai divagá co’o Montanha, qui ele é um criolo mei’istorado. . . do istupim mei’ curto. . .

- Ah! É?. . . pena que eu tô com pressa! Minha mulher num tá passano muito bem. . . Mas fala com seu amigo pra ter mais cuidado e sempre que parar encostar mais o caminhão!

E, acelerando nervosamente o veículo, se mandou. . .

Alírio Silva
Enviado por Alírio Silva em 01/02/2012
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