Minha Geração

Minha Geração

Como definir a minha geração? Há quem chame de Geração Y. Há quem diga que é uma geração alienada, despolitizada. Nós vimos a queda do Muro de Berlim; nós vimos o fim da União Soviética; nós vimos a Guerra do Golfo; nós vimos as eleições de 89; nós vimos o Fora Collor... Pela TV. Nossos heróis são polêmicos, não são heróicos; são individualistas, narcisistas, egocêntricos. Nossos heróis são artistas. Nossos heróis caíram. Nossos heróis estão mortos. Nós vimos a queda dos nossos heróis, sua decadência e morte. Nossos heróis são os gênios da música e os poetas da vida. Cazuza, Renato Russo, Kurt Cobain, todos mortos!

Crescemos com medo da AIDS e vimos as drogas perderem o seu glamour e deixarem de ser símbolo de rebeldia. E optamos por drogas ainda mais pesadas para fazer a vida correr mais depressa, para curtir mais a festa, para afastar o tédio, para aliviar a dor. Estudamos desde cedo “para ser alguém na vida”. Procuramos nossas tribos diante do recuo dos projetos coletivos. Crescemos jogando videogame. Passamos do Atari para o Master System para o Mega Drive e para o Nintendo. Crescemos com TV a cabo, vendo mais séries americanas do que as novelas da Globo. Aprendemos sobre sexo com a televisão. Aprendemos sobre os dramas, os conceitos, as experiências, as expectativas e os dilemas da juventude assistindo Programa Livre, Malhação e MTV.

Despertamos para a política com o Movimento Anti-Globalização e o Fórum Social Mundial, com a luta pelo Passe Livre, o Fora FHC e o FMI e a campanha contra a ALCA. Acordamos com o 11 de setembro e a Guerra do Iraque. Fomos do Movimento contra a Guerra do Iraque, assim como a juventude dos anos 60 se levantou e se afirmou contra a Guerra do Vietnã. Éramos petistas, mas admirávamos o radicalismo e a coragem do MST. E suas ocupações de terras. Elegemos o Lula para presidente do Brasil. Colocamos o Lula lá. E fomos a oposição de esquerda ao governo Lula. A maior parte dela. Militamos em ONG´s, movimentos sociais, partidos de esquerda, de extrema-esquerda, de ultra-esquerda, em entidades estudantis (grêmios, CA´s, DA´s, DCE´s) e também em sindicatos. Temos nossos blogs e nossas redes sociais. Aprendemos com os punks do “Faça você mesmo!’ e viramos independentes, piratas da rede, blogueiros. Hackers enfrentam o poder imperialista. São da nossa geração. A Geração do Milênio. A geração que cresceu com um computador e que deu a cara que a internet tem hoje. Abraçamos o Facebook, o Orkut, o Youtube e fomos os primeiros a dar vida a essas ferramentas. Temos Twitter e vivemos no mundo real e no mundo virtual. Somos surrealistas modernos ou pós-modernos, só que o sonho é a internet. O resto é a realidade nua e crua. Fomos os primeiros a fazer política na internet e em massa. Da Revolução Egípcia ao Ocupe Wall Street. Crescemos com Steven Spielberg, George Lucas, Tim Burton e Quentin Tarantino. Hoje, não vivemos sem Michael Moore. O nosso gosto por cinema vai do politizado ao hollywoodiano. Não dispensamos um cinema catástrofe. Queremos ver o mundo explodir, porque o que está aí não serve. Precisamos de adrenalina. Precisamos de muita cafeína, muito energético para esses tempos hiperativos. Somos todos hiperativos, bipolares, epilépticos nesses tempos corridos e convulsivos. Não acredite na TV, nada é estabilidade. O que é bom hoje, amanhã não serve mais. Mas não queremos guerra. Guerra só nas estrelas. É uma geração de pacifistas nerds.

Somos uma juventude de desempregados. Sem futuro e sem perspectiva. E sem paciência. Já estamos perdendo a paciência. E vamos montando nossos clubes da luta. Não temos futuro. Só nos resta viver o presente e curtir a vida. As repúblicas socialistas desapareceram e crescemos ouvindo que “o socialismo morreu”. Só nos sobra consumir. Somos a geração mais consumista que já existiu. Também aderimos em massa ao ambientalismo, ao vegetarianismo, ao culto ao corpo, às causas de defesa dos direitos humanos e dos direitos dos animais. Aprendemos que era errado o machismo, o racismo, a homofobia e aderimos aos grupos que defendem essas lutas. Crescemos no regime democrático e boa parte de nós não se importa e até rejeita a democracia, não gosta de votar, odeia os políticos e muitos odeiam a política. Alguns de nós são extremistas. Extremistas consumistas. Vamos ao shopping com os nossos amigos e compramos a camisa do Che Guevara. Queremos o socialismo, mas não conseguimos conceber um mundo sem Shopping Center e Coca-Cola. Alguns compram a camisa do Seu Madruga estilo Che. São os nossos ídolos: o Seu Madruga e o V. A máscara do V, do filme V de Vingança, é o nosso rosto. Nós apoiamos os radicais, mas crescemos com medo da violência. Vimos os atentados do 11 de setembro na TV. E fomos pra rua contra a Guerra do Iraque. Não fomos bem caras-pintadas, mas soubemos pintar o sete. Ocupamos as praças de todo o mundo e marchamos pelas ruas como se elas fossem nossas. Acampamos em praça pública, porque pra nós é território livre. Assim como é a internet, apesar das empresas e dos governos. Ocupamos as reitorias de universidades, porque as universidades públicas também são nossas. Apesar das empresas e dos governos. Crescemos contra as ditaduras. Nascemos depois das ditaduras stalinistas e das ditaduras militares. Não aceitamos ordens de qualquer um. E nem qualquer ordem. Não respeitamos a autoridade de qualquer tirano ou burocrata. Desejamos a liberdade acima de tudo.

O nosso Rock in Rio já não tinha nada de Woodstock. Perdemos a inocência ainda na infância. Educados pela TV, entretidos pelos videogames, socializados pela internet, individualismo, consumismo e tecnologia são conceitos que nos definem e se relacionam conosco. Não temos nada de nacionalistas. Não somos bairristas. Não somos patriotas. Somos naturalmente internacionalistas e cosmopolitas. Somos cidadãos do mundo. O mundo estava fechado para nós. Todos os postos já estavam ocupados por quem não tinha e não tem a intenção de sair. Então, ocupamos as praças, o espaço público por excelência e que – por enquanto – não é de ninguém. Somos a juventude da Praça Tahrir. Criamos o nosso próprio espaço através da internet. Somos as crianças de pais separados e computador. Somos o que à nossa geração foi possível ser. Somos a última geração de jovens do século XX. Somos a primeira geração de jovens do século XXI. Vimos a virada do século e a virada do milênio. A Era de Aquário e um novo tempo de Revoluções. Vimos mais uma primavera chegar. A Primavera Árabe, a Primavera dos Povos. Vivemos nossas vidas em busca de significado. Passamos por vários empregos, várias faculdades, várias organizações, vários partidos, várias igrejas, várias religiões, várias filosofias, vários grupos sociais. Somos existencialistas. Somos pais e somos filhos. Somos muitos e somos um, várias e várias vezes. Somos de um ou de vários relacionamentos amorosos, afetivos, sexuais. Somos diversos. Nossas amizades e nossa solidariedade não têm fronteiras. Somos errantes. Somos andarilhos. Mas nunca solitários. Crescemos brincando na rua, mas nossos filhos não irão. As ruas fecharam para as crianças. Os adultos, os carros e a paixão adulta e capitalista por carros venceram. A falta de tempo dos pais (nós) e o medo da violência, da morte, da vida enclausuram as crianças e jovens do futuro e do futuro de hoje, com atividades dirigidas e em ambiente seguro, com parafernália tecnológica, celulares que viram brinquedo e servem para o monitoramento dos pais, como agentes secretos, espiões que seguem os filhos a cada passo. Bons pais. Bons governantes. Bons futuros governantes. Cuidam e cuidarão dos filhos e dos cidadãos. Só o amor constrói. Só medo mantém tudo em seu lugar. Como deve ser. Somos os filhos e somos os pais. Mas morreram os sonhos. Queríamos ser jogador de futebol, músico de banda de rock, modelo, atriz de novela e viramos celebridades da internet. E estamos batalhando. Com milhares de cursos no currículo e muito álcool no cérebro. Com segundo grau técnico, pós-graduação, mestrado, doutorado, cursos de línguas e mandamos currículo para a empresa que não aceita gente sem experiência. A rotatividade do mercado, o desemprego, a retirada de direitos sociais, tudo isso fez de nós concurseiros, em busca de estabilidade no emprego, mesmo que o abandonemos no ano seguinte. Nunca se sabe o que pode ter na próxima esquina. Essa é a minha turma. Essa é a minha geração.