Nunca vou me esquecer do dia da “fazeção” de pamonha. Meu avô plantava a roça de milho a uns duzentos metros da casa e a boa colheita dependia da chuva na hora certa. Íamos, vovô e eu apanharmos o milho. Ali, cultivava-se também mandioca, inhame, cará, plantados na parte menos fértil do terreno. Segundo ele, o milho era cultura mais exigente e precisava de terra vermelha sem cascalho.
     Era bom chegar cedinho à roça, a tempo de ver o orvalho ainda escorrendo nas folhas de taioba. Amoitadas entre os pés de milho, eu encontrava as melancias - daquelas compridas da casca rajadinha- que eram as mais doces. Mais adiante estavam as abobreiras, lindas com suas flores amarelas, escondendo enciumadas as abobrinhas de um verde que nunca mais encontrei noutro lugar. Alastrando-se à cerca, havia o cará do ar e as buchas. O maracujá mais teimoso também dela saía e se enroscava na porteira, enfeitando-a com suas flores, roxas e brancas. Eu me embaraçava num cipó de nome bonito, que era praga por ali, a “corda de viola”, meu avô ia cortando, porque estragava todo o milharal.
     O milho estava no ponto de pamonha quando as bonecas secavam o cabelo. Vovô dizia que o milho era uma planta abençoada, pois mesmo depois das ramas secas, ainda servia de suporte para o feijão ou a palhada alimentava o gado.
     Ao chegarmos à casa com o milho, um adulto era responsável por cortar a cabeça da espiga com o facão e um bando de crianças tirava o cabelo delas, a mulherada separava as palhas e faziam os amarrilhos. Todos se acomodavam como podiam, no chão ou nos bancos em volta da montanha verde no chão da varanda.
      Tudo arrumado começava a ralação, ralos grandes, gamelas, bacias. Minha mãe ficava com a tarefa mais difícil, escorava o ralo na barriga, segurava com uma mão e com a outra ia ralando uma a uma as espigas. Espirrava caldo de milho para todo lado. Certa vez, enquanto mamãe parou para beber água, fui escondida tentar ajudar e na primeira tentativa já ralei as pontas dos dedos e tingi de vermelho parte da massa. Nunca mais me atrevi.
     Quando já havia massa suficiente para começar, era costume fazer assim: minha avó coava a massa amarelinha na peneira de taquara, alguém trazia uma vasilha com banha quente de porco - que chiava ao cair na massa- então, misturava-se bem e uma parte era adoçada com açúcar ou rapadura e a outra era temperada com sal, linguiça e pimenta. As mulheres mais treinadas faziam um copo com a palha do milho, colocavam um bom pedaço de queijo, mais uma palha e amarrava bem apertado, fazendo uma cinturinha na pamonha. Era preciso esperar o tacho de água ferver antes de enchê-lo de pamonhas. Depois se cobria com as palhas verdes, tendo o cuidado de cozinhar as salgadas separadas das doces. Quando a palha amarelava era sinal que estava pronto. No mesmo dia, eram feitos bolos de milho, era só untar os tabuleiros, colocar mais queijo ralado na massa já pronta e levar ao forno para assar.
     Outra iguaria feita com o milho verde era o mingau, conhecido também por curau, para isso eram usadas as espigas mais duras, era só adicionar leite fresco à massa e coar num pano limpo, acrescentando açúcar e levando ao fogo até o ponto desejado.
     Na casa de meus avós, o dia de mexer com o milho verde nem se fazia outro tipo de comida. Era milho cozido, milho assado na brasa, pamonha e bolo de milho o dia inteiro.
     Engraçado, que hoje em dia, encontram-se pamonhas o ano inteiro, mas elas não têm o mesmo gosto daquelas da roça, que só eram feitas certo período do ano. Acho que aquele sabor se chama saudade e me acompanhará
sempre.

“Já me falaram que escrevo demais sobre o passado, não consigo evitar, acho que lembrar e registrar fatos marcantes é uma forma de espanar a poeira do tempo.”



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Maria Mineira
Enviado por Maria Mineira em 03/02/2012
Reeditado em 03/02/2012
Código do texto: T3477838
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