Um caso de bonecas carecas e capuchetas

Aqui, nesta cidade, que é meu planeta, nasci.
Não havia muito além de asfalto, arranha-céus e muitos carros, mas por céus viajei para outros universos.
Aprendi a subir em árvores como anjo ascende às alturas.
Soube na boca o sabor das mangas colhidas no pé.
Conheci goiabas vermelhas e brancas tão singelas... Eram frutas deselegantes para a sociedade urbana.
Eu me encantei com a preciosidade descoberta nas romãs, nenhuma pedra preciosa tem a beleza das sementinhas das romãs.
Apaixonei-me pelas margaridas que eram flores do mato, amoras que mancharam minhas roupas e tatuaram meu coração, que se é vermelho, tenho certeza que é por causa delas.
Também cheguei a uma tecnologia muito interessante; aprendi a fazer capucheta, acho que ninguém sabe o que é, mas não chegavam nem perto das pipas do meu irmão, um adolescente nos seus quinze anos, que se irritava comigo, uma criança de seis invadindo seu mundo tão adulto.
Para ficar perto dele, tornei-me especialista na arte de fazer pipas. Nunca houve perto de mim uma pipa que voasse mais alto que as minhas, vê-lo querendo tomá-las de mim era alegria em estado bruto.
Aprendi, observando sorrateiramente, a jogar bolinhas de gude. Participei de campeonatos de jogo de botões na mesa intocável da minha mãe, e era eu que encontrava o prego para riscar o campo e levar a bronca certeira.
Fazer o meu carrinho de rolimãs não foi nenhum tanto fácil, mas ver meu irmão babando foi uma delícia inesquecível!
Algumas vezes ele me olhava e dizia que ia brincar comigo e minhas bonecas e lá ia eu buscar feliz da vida todas as bonecas que conseguia carregar. Então ele dizia que iríamos fazer um casamento entre as bonecas. Teria que ter um padre e segundo ele, padres tinham que ser carecas. Ia correndo buscar uma tesoura e entregava nas mãos do sábio; assim que ele cortava os cabelos de uma delas, dizia que precisava fazer outra coisa. Todas as minhas bonecas acabaram sem cabelos e eu com cara de espanto.
Nasci nesta cidade de asfaltos, arranha-céus e muitos carros; a cidade do concreto, e cresci escapando e escalando outras galáxias com muita ousadia. Mais importante foi ter conquistado o coração do meu irmão. Uma delícia que me deixou babando para todo o sempre.
Aquele cara era tão especial, que hoje já é menino-estrela.
Algumas pessoas, mesmo quando viram estrelas, não nos fazem chorar, porque viram capuchetas que voam pelos céus para nos alegrar de uma alegria sem tamanho!
Quando vejo uma capucheta voando bem alto, sorrio e digo em silêncio – Ah, moleque, ganhou não é? Tem nada não, me aguarde! Um dia chego aí e você vai me explicar direitinho sua teoria de padres carecas.
Rose Stteffen
Enviado por Rose Stteffen em 05/02/2012
Reeditado em 06/02/2012
Código do texto: T3482534
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