Quase Nua e com as Mãos nos Bolsos

No começo não entendi, e continuei sem entender depois que percebi alguns aspectos: eu estava praticamente no centro de minha cidade, haviam cinco garotos fazendo chacota de uma velhinha, a senhora estava sentada ao lado de um banco da praça, mas estava no chão e toda encolhida, seus cabelos brancos contrastavam com sua pele escura, pele essa que estava completamente exposta, exceto por uma calcinha bege.

Aproximei-me sem saber direito o que pensar ou sentir, apesar de estar em uma rua quase central, às três da tarde, ali, não passava muita gente, a não ser desocupados como aqueles garotos, desavisados, como deveria ser o caso daquela senhora, pessoas que pegavam minha linha de ônibus e que não eram muitas e, principalmente, trombadinhas.

Senti-me ao lado dela, tentando encaixar todas aquelas peças, formando um quebra cabeça estranhíssimo, tentei chamar sua atenção para ver se poderia ajudar de alguma forma, mas ela somente se esquivava, ficando ainda mais encolhida, notei as grossas lágrimas que molhavam a pele de seus joelhos, escorrendo pelas pernas até seus pés, também descalços.

As risadas ecoavam pela rua junto ao barulho dos carros, detive meus olhos naqueles rostos imundos do outro lado da rua, rostos sujos por um caráter tão ruim que não me contive.

- Que foi? Qual é o problema de vocês?

Eles não disseram nada, mas suas risadas ficaram ainda mais esganiçadas e provocativas. Levantei os olhos, controlando a raiva que começava a ebulir em mim. Voltei-me a senhora, colocando minha mão em seu ombro e não retirando mesmo com suas esquivas, eu tinha que fazer algo.

- O que aconteceu com a senhora?

E nada, apenas risadas mesquinhas e lágrimas escorrendo.

- Senhora, só quero ajudar...

E então, repentinamente ela ergueu o rosto, seus olhos vermelhos e a boca tremia tanto que duvidava que pudesse formar qualquer mísera palavra.

Olhei as pestes do outro lado da rua e minhas roupas largas. Eu estava indo para a casa de um “quase namorado”, vestia sandálias, um shorts jeans de cintura alta, uma camiseta masculina azul clara comprida e um sutian que mais parecia um top improvissado.

Tirei a camiseta sem pensar duas vezes, ouvi um burburinho, senti olhares queimarem minhas costas, passei a gola pela cabeça da senhora, seus olhos me diziam que eu deveria continuar, ajudei-lhe a passar os braços pelas mangas e quando estava tudo acertado, por ela ser bem mais baixa do que eu, a camiseta chegou-lhe quase a altura dos joelhos, um silêncio incomodo se instalou ao redor, olhei procurando os moleques, mas estávamos sozinhas na calçada.

- De quanto a senhora precisa pra voltar pra sua casa? Quanto?

Sua boca ainda tremia, ela apontou para o segundo ônibus que passava em fila pelo ponto, tirei rapidamente todo o dinheiro que tinha na carteira, uma soma exata de doze reais enquanto dava sinal para o ônibus, mas o motorista nos olhou com desprezo e passou direto.

Como o mundo poderia ser tão cruel com tal criatura? Assalto, humilhação pública, desrespeito aos seus direitos mais básicos...

Ficamos quase vinte minutos sentadas, ela chorando e tremendo e eu com os olhos fixos nos ônibus que passavam.

Apertei o dinheiro em sua mão, o que quer que houvesse acontecido com ela havia deixado seus nervos esgotados, dei-lhe minhas sandálias também e agradeci pelo ônibus ter finalmente chego e parado, ela embarcou, pedi ao motorista que tivesse atenção com ela, ele pareceu preocupado e compreensivo.

Continuei meu caminho, me sentindo um pouco mais leve, não só por estar com menos roupas, mas por ter feito algo e, ainda assim me sentia incapaz diante da situação, de qualquer forma estava revigorada por ter feito o possível e segui pelas ruas do centro descalça, encarando quem passasse, quase nua e com as mãos nos bolsos.

Thaina Chamelet
Enviado por Thaina Chamelet em 06/02/2012
Código do texto: T3482656
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