A égua do Sô Josino

A ÉGUA DO SÔ JOSINO

Égua é um bicho danado. Quem foi criado na fazenda, na roça, sabe como tem égua sem vergonha! Principalmente quando há aquela turminha de adolescentes. As safadas viciam de um jeito que não podem ver um cupim: vão logo encostando . . . Aliás, foi por isso que Sô Josino ficou uma fera com a molecada da fazenda, quando de sua doença de tuberculose, que o forçou a ficar um bom tempo sem praticar as lides rurais, “quarando” quase dois meses na capital. Na primeira volta que resolveu desfrutar no lombo da Escolástica - era o nome da égua, sim senhor! - virou bicho: cambada de salafrários, viciaram a Escolástica!...

Mal sabia o Sô Josino que até o nome já tinham mudado. Agora era só “Culasca”!. . .

Depois de muito xingar, esbravejar e ameaçar a meninada (netos, sobrinhos, afilhados ), baixou um Decreto: terminantemente proibido andar na Escolástica, exceto ele, claro. Só assim conseguiria retornar àquele valioso animal os instintos “eguisticos” exclusivamente veiculares.

Sô Josino era pessoa íntegra, de quem jamais alguém ousaria fazer, ou até mesmo imaginar, qualquer atitude que denegrisse honradez, honestidade, moral, retidão de caráter ou religiosidade, principalmente porque era pai do gente fina Padre André, único sacerdote da pacata cidade! . . .

Escolástica, uma campolina PO castanha, de crina sedosa e preta tombada pra direita na tábua do pescoço, porte de rainha, fora presente do Dr. Guaracy, afamado criador de cavalos do Sul de Minas e deputado federal pelo seu partido político, em recompensa à sua enorme influência exercida na região de Pouso Alto, na última eleição à Câmara Federal.

Domingo à tarde, depois do infalível franguinho caipira com macarronada e da reconfortante sesta na rede da varanda, Sô Josino chama o competente capataz Estalacio e manda selar a Escolástica: vai dar uma vistoria nuns boisinhos recém-arrematados no último leilão de Três Corações, perdidos na largueza dum capim-meloso nas barrancas do Rio Verde.

Lá pelas tantas, já bem distante da Sede, de onde ainda se ouvia os gritos da rapaziada disputando uma peladinha no campinho gramado beirando o beco por onde se chegava ao curral concretado, o intestino, talvez despertado pelo treme-treme da marchinha da égua, manifestou um certo desejo de trabalhar.

Sô Josino procurou abrigo embaixo de um ingá frondoso, meio afastado da estradinha pela qual viera, apeou, jogou o cabresto por cima de um galho da árvore, sem se preocupar em dar laçada, baixou a calça de linho amarrotada, pensou um pouco, resolveu tirá-la e, pra maior segurança, pendurá-la na cabeça do arreio, agachou e se entregou, tranqüilo, à “ operação defecatória”. Soltou até um sorrisinho maroto ao se lembrar da expressão de um amigo seu: “. . . um homem cagado é um homem realizado”. . .

Ia tudo “nos conformes” até que a tragédia aflorou, rápida, horripilante e irreversível: no galho do ingá, pouco acima da garupa da égua, tinha uma “senhora” casa de “marimbondo chapéu”, e a Escolástica, pachorrentamente, ao espantar com a vassoura do rabo uma mutuca que a incomodava na anca, esbarrou na morada dos até então inofensivos vespídeos. . .

A barulhenta pelada foi interrompida por uma cena grotesca: a égua Escolástica, vulgarmente chamada de Culasca, irrompeu no beco relinchando e dando ‘de-bundas” espectrais, com uma calça de linho pendurada na cabeça do arreio, enquanto, um pouco atrás, ofegante e de cuecão samba-canção discretamente listrado, Sô Josino gritava, categórico:

- “. . . juro por Deus qui eu tava era cagano!”. . .

Alírio Silva
Enviado por Alírio Silva em 08/02/2012
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