MITOS FOLCLÓRICOS E ASSOMBRAÇÕES (II)
 

Minha infância e pré-adolescência foram marcadas por muitas aventuras, principalmente nos períodos de férias escolares. Estudava com afinco para conseguir média que me dispensasse das provas finais. O objetivo era sempre o mesmo, correr para meu lugarejo e encontrar a natureza.
Ventura era um lugar propício para a proliferação de estórias e lendas sinistras que rolavam de boca em boca até serem admitidas como notícias verdadeiras. Uma delas era a explicação para o sino da única igreja estar quase sem som, ou melhor, com o som esquisito. Falava-se que alguém havia raspado o seu interior para fazer magia negra e por isso ele se recusava a vibrar.
Meu tio jurava que às sextas-feiras, lá pela meia-noite, passava um cavaleiro em disparada, parava no meio do povoado, o cavalo relinchava algumas vezes e depois seguia adiante. Curioso, numa dessas noites, ele teria olhado pela fresta da janela e ficado aterrorizado com o que viu ou quem sabe, com o que não viu – a cabeça do cavaleiro. Após parar e relinchar o cavalo desapareceu, mas ele continuou ouvindo o cavalgar e o tilintar dos arreios*, que ele pôde perceber serem luxuosos. Posso garantir que meu tio nunca assistiu ou ouviu falar no filme A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça. Ele só conhecia cinema ou televisão porque contávamos que existia. Muito inteligente, eu o considerava um gênio incompreendido. Naquele pequeno vale, era a única pessoa que acreditava que o Universo não se restringia ao nosso planetinha azul. Voltarei a falar sobre ele em outras histórias.
E as aparições misteriosas não paravam por aí. Muitas pessoas, inclusive meu pai, chegaram a ouvir durante algumas noites, um caminhão descendo uma das enormes e íngremes ladeiras locais, mas o veículo nunca chegava e aos poucos os faróis se apagavam e pronto, sumia tudo. Nessa época, como relatei em AS FANTÁSTICAS VIAGENS, qualquer veículo que lá aparecia era uma novidade e chamava a atenção de todos.
Mais tarde, quando a estrada tornou-se mais movimentada e pouco ou nada conservada, meu pai levou alguns trabalhadores para arrumar uma pequena ponte sobre um córrego a poucos quilômetros de casa e meu irmão, então com 12 anos foi incumbido de levar o almoço. Montou um cavalo em pelo*, de quebra, ainda convidou um amigo da mesma idade e lá seguiram estrada a fora. Passaram por uma mulher que recolhia algumas ervas ou coisa do gênero usando um enorme chapéu, estilo “sombreiro”. Algum tempo depois, os vimos chegar apavorados, tremendo e quase sem fala. O que aconteceu?  Quando retornavam encontraram a tal criatura e quando se aproximaram perceberam que  a mesma flutuava sobre a vegetação, não tinha pés e ao levantar a cabeça, também não tinha rosto. Ninguém pode imaginar o estado deplorável que chegaram estas crianças. E o pessoal perdeu os entregadores de marmita. Quando foi comentado o assunto, alguns moradores afirmaram também já terem cruzado com a sinistra mulher.
Pensam que acabaram as histórias bizarras do meu Ventura? Ainda terão mais um capítulo em breve!
 
 
Fátima Almeida
18.02.2012
 
Nota:
Arreios = s.m. Conjunto de peças com que se aparelham os cavalos de sela ou de tiro. Os arreios compreendem a coelheira, os freios, as rédeas e as correias pelas quais os animais são presos a carroças e outros veículos. Quase todas as peças dos arreios são feitas de couro, presas por fivelas e grampos de metal.
 
Montar um cavalo “em pelo” = não usar sela ou outro tipo de arreio.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fátima Almeida
Enviado por Fátima Almeida em 22/02/2012
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