O lugar da mulher é no lar. O trabalho fora de casa masculiniza

A mulher volta a ser tema central no discurso político e no religioso. Qual a novidade? A mulher, essa Eva pecadora, comedora de maçãs, que precipitou a humanidade no sofrimento e na morte, a responsável pelo pecado original, etc.

No discurso político, a mulher aparece a coberto do problema da NATALIDADE! De forma politicamente correcta, claro, porque as mulheres agora até votam!

Num tempo de crise económica, de desemprego, de retrocesso (aliás num tempo de todos os retrocessos: mais horas de trabalho, mais impostos, mais carestia, menos ordenado, corte de subsídios, fecho de maternidades, centros de saúde, aumento de taxas para acesso à serviços de saúde, etc.) o chefe supremo preocupa-se com o problema da natalidade. De facto, necessitamos de procriar, parece-me, para engrossar o batalhão de desempregados (como temos poucos). Mais não digo. Ou melhor, digo: um reputado estudioso das questões de demografia diz, ou melhor, explica, que a população mundial não pode crescer mais. O planeta não aguenta este ritmo de crescimento. É que se, no ocidente, a mulher (pelo menos as mais educadas, no sentido de escolarizadas) planeia a sua maternidade e a inclui num projecto de vida que passa por outros feitos que não a mera reprodução, noutras partes do mundo, a mulher continua a ter na reprodução o principal projecto da sua vida, ou porque quer, ou porque não tem outra escolha. Isto é, há muitas crianças e jovens em certas partes do mundo, e muitos velhos e pessoas de meia idade noutras. Solução? A mobilidade! Que venham jovens para os países onde eles não abundam. (Ok, sei que estou a ser simplista. Então e íamos assistir a uma miscigenação, etc., etc.? Que horror!).

Quanto à igreja, como sempre, a abordagem a questões que dizem respeito à mulher é feita com o tacto próprio de um rinoceronte, aos pinotes, na altura do cio. Diz um alto clérigo que a mulher seria mais útil em casa, do que a trabalhar fora. As posições da igreja, como sempre, não me aquecem nem me arrefecem. A igreja diz aquilo que sempre disse. É sabido que para a igreja o lugar da mulher é em casa, a tratar do marido e dos filhos. O seu projecto de vida, a sua felicidade e a sua realização deveriam limitar-se a isso mesmo: a fazer feliz o seu mais que tudo e a sua prole. ( Que lindo, até me vieram as lágrimas aos olhos). A única coisa que me "preocupa" é a repercussão que estas palavras têm num auditório ignaro e habituado, ainda que diga que não, a fazer aquilo que a igreja pensa que é certo. No caso: mulheres à cozinha, perna aberta, é parir, é parir, minhas senhoras, etc.. E quando digo "preocupa", não é no sentido de temer as consequências "nas mentalidades" dos portugueses, porque o que a ignorância (ou certa ignorância) diz não se escreve. O que me "preocupa", é a falta de pachorra para ouvir as conversas de taberna, de mesa de café ou de forum TSF ou Antena1 acerca do assunto. É um desfile de dislates de dar vómitos...! Para dizer o mínimo.

Falar do que quer que seja, sem ter um módico de conhecimento sobre aquilo de que se fala, é atroz. O que se propõe é um retrocesso à sociedade patriarcal.

Pergunto-me se os que falam levemente destas coisas leram alguma documento sobre o que foi/era ser mulher ao longo dos tempos! (Claro que isto, para certos "homens", é para o lado que eles dormem melhor)

«O lugar da mulher é no lar. O trabalho fora de casa masculiniza» (Jornal das Moças, 1957).

«Sempre que o homem sair com os amigos e voltar tarde da noite espere-o linda, cheirosa e dócil. Dê-lhe as boas noites, prepare-lhe uma bebida e converse calmamente com ele, se a ele lhe apetecer. E prepare-lhe um bom jantar!» (idem)

«A desarrumação numa casa-de-banho desperta no marido a vontade de ir tomar banho fora de casa.» (j. das Moças, 1965)

etc.

E isto são as saloiices da paróquia, certamente muito do agrado de certos homens. Agora, leiam a literatura sobre mulheres publicada ao longo dos tempos. Não me recordo quem é que colocava a mulher ao nível dos piolhos! E o outro (muito obrigada!), mais progressista, que alertava, bem intencionado: “um momento, a mulher não pode ser equiparada aos outros animais. A mulher é superior a eles, ela é o elo entre o homem e os animais inferiores.” Mas parece que o cavalo não era considerado um animal inferior. Ou seja, entre a mulher e o cavalo, venha a igreja e escolha.

Eu sou mulher, tenho estudos superiores, não sou casada, não tenho filhos, não faço o que me mandam, faço o que penso que devo fazer, no respeito pela dignidade de mim e do outro. Gosto de "homens", gosto de uma sociedade com mulheres e homens "de boa vontade" (sempre a igreja!) a viverem o melhor que podem e sabem a sua vida, a sua única vida: sem outras obrigações senão as que decorrem de uma organização societal esquizofrénica, mas, por isso mesmo, também, rica, desarrumada, em suma: estimulante. E não volto para a “cozinha”!!! (a não ser para representar a cena dos morangos e mel do filme "9 semanas e meia")

Nestes tempos de crise, de insegurança, «não sei por onde vou, sei que não vou por aí»!