Incêndio no gelo

Incêndio na estação de gelo

Está em todos os jornais: a Estação de Pesquisas Comandante Ferraz, patrimônio do Brasil na Antártida, foi destruída por um incêndio que deixou duas vítimas fatais, sendo dois sargentos do Exército que estão sendo enterrados com honras militares nesta semana. É óbvio que é um acidente inusitado, que houve prejuízos irreparáveis, principalmente no que diz respeito à vidas humanas. Solidarizo-me com as famílias enlutadas, apesar delas nem terem conhecimento da minha existência. Assim como eu, na minha humilde ignorância, que não tinha conhecimento dessa Estação de pesquisas lá no meio do gelo, para onde vão brasileiros estudar sobre a dinâmica da atmosfera, os efeitos da camada de ozônio, acompanhar os reflexos da radiação dos raios ultravioletas e efeito estufa na relação do sol e da terra. Fiquei deveras sensibilizada com o alcance dos estudos na dinâmica interação do oceano e das camadas polares, onde o monitoramento da ionosfera, do ozônio e da radiação são imprescindíveis para a subsistência da raça humana no planeta.

Mas será que o Brasil é fator essencial com suas pesquisas nessa camada de gelo tão distante de nós? Ficar monitorando o derretimento do gelo, acompanhando o ritual das focas, leões marinhos e pingüins no seu habitat seria prioridade para os investimentos, que suponho, devem ser bem elevados, para bancar essa estação no fim do mundo? Não poderíamos nos ater ao resultado de pesquisas intercambiadas por outros países onde o reflexo do gelo é mais preocupante, mais próximo e mais necessário? Ou será que precisamos nos preparar para os períodos do inverno que um dia poderão ser tão agressivos, que essa pesquisa nos orientará em nossa sobrevivência?

Estamos vendo o Brasil se estatelar na época das chuvas nas regiões que se alagam e nunca ouvi falar de uma estação de pesquisas para minimizar os efeitos das chuvas e das enchentes que todos os anos arrastam vidas, casas e bairros inteiros nos leitos dos rios que transbordam, sem que nenhuma pesquisa aponte o que poderia ser feito para evitar isso. Vemos também a seca dilacerar colheitas, mutilar vidas e sonhos nos recôncavos do nordeste e também nunca ouvi falar de nenhuma estação de pesquisas para minimizar o sofrimento dessa gente calejada pela luta debaixo do sol que frita aqueles pedaços esquecidos de chão. E vemos as geadas no sul, congelando a alma de plantações inteiras, derretendo sonhos e triturando a economia brasileira, onde o maior celeiro de grãos se compromete todos os anos, ora com o frio, ora com as águas que de repente, não parecem ter mais controle. Estamos vendo tudo isso acontecendo e parece natural, são calamidades que se repetem e se multiplicam com a força da natureza e com a incompetência dos homens, principalmente aqueles que detêm o dinheiro público, capaz de direcionar investimentos para estudos e medidas capazes de mudar o rumo das coisas.

Ninguém está preocupado com isso, agora que a estação das águas e do frio passou... lá na Antártida, os investimentos chegam, as pesquisas fluem. Aliás, é uma questão de status manter um contingente de pesquisas e pesquisadores no gelo, dividindo espaço com países comprometidos com o futuro do planeta. Mas vão estudar os outros países lá fora e esquecem o nosso com suas mazelas aqui dentro, onde a pesquisa não dá tanto status quanto lá... Sei lá, posso até estar falando bobagens, mas me revolta ver nossos recursos escorrendo entre os dedos de quem lava as mãos diante das responsabilidades com a nossa gente tão carente de medidas saneadoras, sociais, educacionais e outros ais por aí, que nunca são tomadas por falta de recursos.

Estou escrevendo e ouvindo a cerimônia de adeus na Antártida que acontece ao som de clarinetes, uma homenagens aos “heróis”, enterrados com honras militares. Morreram defendendo a base brasileira, de um incêndio que na certa nasceu das gambiarras que sempre existem onde pisa o nosso povo sempre adepto de um jeitinho, passando por cima das normas de segurança e manutenção. Fico aqui me lembrando dos que foram carregados pelas chuvas, soterrados por escombros, massacrados pela fome, enterrados pelo esquecimento... Foram muitos os heróis também anônimos que lutavam para defender seu ganha pão e seu espaço. Morreram durante a luta e foram enterrados no mais completo silêncio. Foram as vítimas no gelo da indiferença...

maria do rosario bessas
Enviado por maria do rosario bessas em 29/02/2012
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